Bolsonaro é o presidente que mais deu verba ao Congresso e o que menos aprova projetos

Agências/Arquivo

Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro vai consolidar uma mudança radical na articulação política do governo. O general da reserva Luiz Eduardo Ramos cedeu a Casa Civil para um líder do Centrão, o presidente do Progressistas e senador pelo Piauí Ciro Nogueira. Levantamento do jornal Estadão mostra que não faltam motivos para a troca: desde 2003, Bolsonaro é o presidente que mais pagou emendas para congressistas — R$ 41,1 bilhões até agora — ao mesmo tempo em que seu governo foi o que menos aprovou projetos no Congresso.

O presidente admitiu que Ramos tinha “dificuldades” de relacionamento com o Congresso — algo que o general negou, ao deixar o posto.

“O general Ramos é uma pessoa nota 9. Não é 10 porque falta para ele um pouco de conhecimento para melhor conversar com o parlamentar”, disse Bolsonaro. Nos últimos meses, o presidente da República vinha recebendo comentários negativos sobre a capacidade de articulação do general da reserva.

Desde o começo do mandato, Bolsonaro aprovou 83 propostas, entre projetos de lei, medidas provisórias e propostas de emenda à Constituição (PECs). É como se o governo Bolsonaro tivesse aprovado um projeto a cada 11,3 dias no Congresso. O antecessor Michel Temer (MDB) aprovou uma proposta a cada 9,6 dias, em média.

Até Dilma Rousseff (PT), conhecida pela falta de habilidade no relacionamento com os parlamentares, registrou uma marca ligeiramente melhor em seu segundo mandato, marcado pelo processo de impeachment: um projeto a cada 11,2 dias (foram 44 propostas aprovadas em um ano e meio).

Os números mostram como os congressistas vêm ampliando seu controle sobre o Orçamento da União ao longo dos anos. O processo começou antes de Bolsonaro, mas acelerou muito durante o governo do capitão com a utilização das chamadas emendas de relator-geral, identificadas com o código RP 9. Na prática, estas emendas se tornaram uma forma do governo liberar recursos para congressistas aliados, de acordo com a conveniência política do Palácio do Planalto e sem qualquer transparência sobre quem indicou o quê. O caso foi revelado pelo Estadão e ficou conhecido como orçamento secreto.

A nova modalidade RP 9 resultou em pagamentos de R$ 8,34 bilhões em emendas apresentadas em 2020 e R$ 4,51 bilhões em 2021, puxando para cima o “custo” da relação de Jair Bolsonaro com o Congresso. O RP 9 também fez com que 2020 — ano da pandemia da covid-19 e de forte crise econômica — se tornasse o exercício com o maior valor pago em emendas desde 2003: foram R$ 22,6 bilhões. A maior parte do dinheiro é direcionada para pequenas melhorias e para a compra de equipamentos nas cidades onde os congressistas têm votos.

Desde o começo do governo, Bolsonaro pagou R$ 41,1 bilhões em emendas parlamentares. É como se cada um dos 83 projetos aprovados pelo governo do capitão da reserva tivesse “custado” R$ 495,2 milhões — embora não seja possível correlacionar diretamente a aprovação de projetos específicos ao pagamento de emendas. O valor é mais que o dobro do segundo colocado, o governo de Michel Temer, que desembolsou, em média, R$ 192 milhões em emendas a cada projeto aprovado.

Apesar de ter trocado o comando da articulação política, nada indica que Bolsonaro pretenda interromper o uso das emendas RP 9 para conquistar a boa vontade do Congresso. Ao contrário: o número 2 de Ciro Nogueira na Casa Civil será o engenheiro Jonathas Assunção Salvador Nery de Castro, antigo secretário-executivo do general Luiz Eduardo Ramos. Apresentado ao general pelo seu genro, Marcelo Sampaio, Nery de Castro coordenou a liberação das emendas RP 9 do lado do governo no ano de 2020.

Para a doutora em ciência política e especialista em política legislativa Beatriz Rey, a comparação do “custo” em emendas de cada projeto aprovado tem limitações, mas serve para dar indícios de como o processo político está se desenrolando. “Dado que a gente sabe que esta é uma medida limitada, eu acho que essa discrepância no ‘custo por projeto’ é decorrente da incompetência do governo Bolsonaro em gerir a coalizão (no Congresso)”, afirmou Beatriz.

“Um valor tão alto mostra que Bolsonaro, desde o começo do governo, teve muita dificuldade em montar uma coalizão estável, e se viu forçado a encontrar outras moedas de troca alternativas”, disse ela. “(O fato de) ele ter ressuscitado as emendas de relator é um indicador das incompetências na gestão da coalizão, assim como aconteceu durante Dilma. Pior ainda no caso dele”, diz Beatriz, que é hoje pesquisadora da universidade Johns Hopkins, em Baltimore, nos EUA.

“De fato, Bolsonaro é o presidente, do ponto de vista da aprovação legislativa, com a pior relação com o Congresso. No entanto, o fato de ele não ter sofrido impeachment até o momento não se deve só ao (presidente da Câmara) Arthur Lira (PP-AL). É também porque ele está fazendo esforços que Dilma Rousseff não fez. Mas, do ponto de vista da produção legislativa, é o governo mais fraco de que se tem notícia”, diz o cientista político da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Sérgio Praça.

Estadão

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