Pequeno inventário de um ano cheio de excessos

Foto: Pinterest

Estou há algumas horas paralisada em frente ao notebook com a cabeça completamente vazia. Será mesmo que tudo já foi dito e escrito, pelo menos neste louco e intranquilo ano de dois mil e vinte e um? Ando desafiando todos os meus limites, já revisitei os cadernos antigos, reli meu diário mais de uma vez, e é oficial: estou estagnada e ainda me perguntando, preocupada, se o ano já acabou para a minha corrente de criatividade. Acabo de pensar se em algum momento esse esgotamento será vencido pela ideia de novos tempos que o ano que chega sempre traz consigo. Parece uma despedida isso aqui, e é. Do ano, de você, leitor, não. 

O tempo tem um passo apressado e quando chega essa época do ano eu sempre fico um pouco perdida, tentando lembrar de tudo o que me trouxe até aqui. Cheguei viva em dezembro, mesmo me sentindo toda repartida e, honestamente, eu não sei diferenciar o que aconteceu em 2020 e o que vem acontecendo em 2021. Eu consegui fazer tanto e não fazer nada, na mesma intensidade. Chorei menos do que deveria, passei mais tempo na cama do que poderia, ingressei em um novo curso na faculdade, estive muito travada na escrita, fiquei offline por meses, vi projetos se desmancharem como castelos de areia debaixo da chuva, perdi trabalhos, fiz um curso de escrita, participei de uma oficina de escrita, duas oficinas de escrita, entrei na terceira oficina, parei de contar, extrapolei prazos na faculdade, fiquei com dúvida se o curso de Letras era mesmo o que eu gostaria de fazer, senti tanta raiva, acordei desesperada de ansiedade (tantas vezes), escrevi um livro, fiquei deprimida, li poesia. Li mais poesia em um ano do que havia lido durante a minha vida inteira. Fui salva da melancolia todas as vezes que li poesia. Repetitivo, né? É que tudo neste ano se repetiu num ciclo que parecia não ter mais fim.

Sinto que acabei mergulhando em um estado de suspensão do tempo e das experiências, mas não posso acreditar que estive no lugar errado por tanto tempo. Não tenho intenção de ser pessimista, mas devo ter consciência de que o otimismo tem sido uma ilusão. Desculpe-me se estou pesando a mão, mas acho que estou destravando e esse fluxo de consciência parece que só agora começa a me obedecer, e eu só quero jogar aqui nessas palavras qualquer coisa que possa dar algum sentido a tudo o que eu construí e destruí nesse ano que pareceu interminável em tantos momentos. Passei um tempo refletindo sobre o meu estado no mundo e sobre a natureza das coisas, o que me tornou alguém mais introspectiva e apreciadora do silêncio e vale ressaltar aqui que sou exagerada e passional demais para obedecer o silêncio.

Tem uma máscara PFF2 pendurada no cabide à minha frente, os calçados estão na porta do apartamento. Ando com um vidrinho de álcool em gel na bolsa e coloquei um borrifador com álcool líquido na estante que fica perto da porta. Tenho para mim que já se tornou um imenso clichê mencionar essa tal pandemia e tudo o que ela alterou nos dias de todo mundo. Mas o clichê é o que deve ser: um fato repetitivo, e viver nesse mundo arrasado por uma doença totalmente inesperada sob um governo que optou por nos tornar reféns dentro do nosso próprio país, nos deixando sufocar de todas as formas torturantes possíveis, inclusive dessa doença que já possui vacina, sugou de mim qualquer expectativa de uma vida repleta de planos e sonhos.

Enquanto eu estava parada na frente do computador tentando pensar no que eu poderia lançar para você que está aqui neste espaço lendo essas ruminações, recebi uma mensagem de um amigo “o  mundo está acabando, mas fora isso, como você está?” Essa frase me pareceu afiada demais, e eu demorei um pouco para responder. É estranho que depois de tanto tempo vivendo entre relações sociais limitadas a gente comece a sentir dificuldade em compreender as reais possibilidades do mundo. Foi aí que as ideias vieram me atropelando, imprimindo um ritmo confuso e acelerado, sem que eu tivesse muito tempo para organizá-las. E logo eu, cheia de respostas para tudo, sempre tão pronta para divagar sobre qualquer filosofia da vida, mesmo que sejam filosofias de mesa de bar, acabei ficando sem palavras para responder àquela mensagem. Apenas obedeci: sentei e escrevi com meu coração batendo desembestado.

Está aqui a resposta, registrada em público, porque eu estive soterrada de tantos entulhos emocionais nos últimos tempos que sinto que desaprendi como funcionam alguns processos de diálogos sobre as idas e vindas da vida. O alarme tocando para o fim do mundo soa tão anos 2000 para mim, coisa tipo bug do milênio, revolução tecnológica, ah, sei lá! Eu também nem sei se tem muito sentido isso aqui, e não sei se o meu amigo vai considerar a resposta. Amigo, viver é um rasgar-se e remendar-se e eu, ultimamente, nunca sei dizer o que é considerado estar bem para me sentir viva no mundo. Só Guimarães Rosa poderia conseguir traduzir alguma coisa. Está tudo igual, as notícias continuam as mesmas, sinto muito, eu tô me acabando junto com o mundo, mas esperança é insistência.

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