Elas estão sempre comigo

Foto: Pinterest

Passeando pela internet, por acaso eu vi que hoje, quatro de fevereiro, faz dezoito anos que a fantástica Hilda Hilst nos deixou. Li a notícia, senti saudade da sua poesia e fui à minha estante procurar o livro de seus poemas reunidos que comprei recentemente: “da poesia”. Folheei e bebi um pouco daqueles poemas que têm sempre o poder de me deixar embriagada poeticamente. “Existe uma tristeza muito profunda no mundo e o riso é uma solução muito grande”. Isso é lindo. É pequeno e diz tudo. Assim tem que ser. Como é bom se sentir aconchegada dentro de um livro. Me abraço com as palavras, me cubro com cada frase. 

Nos últimos anos, minha biblioteca se expandiu pelo caminho das mulheres que escrevem, ou já escreveram. Já no ano passado fiz essa constatação quando listei os livros lidos em 2021 e vi que majoritariamente aqueles escritos por mulheres me acompanharam ao longo do ano. Era um desejo antigo e comecei a ver a coisa se concretizando. Clarice falou comigo através de Macabéa. Senti vontade de dar colo àquela moça, de levá-la para ver o mundo além do pouco que esse mesmo mundo lhe oferecera. Algumas vezes eu me senti a própria Macabéa: invisível, tolhida, desprezada. A gente se sente sozinha muitas vezes, Macabéa era a própria voz da solidão. Júlia, de Pequena coreografia do adeus, tinha um pouco de Macabéa também. Aline Bei soube perfeitamente conduzir a menina que sonhava com amor e colo. Aline criou Júlia para dançar pela vida. Ela só queria ser vista. E conseguiu, em alguma medida, ainda que seus desejos tenham sido embalados por outras vias, diferentes daquelas que ela esperou a vida inteira. Mas é isso que acontece, a vida é quase sempre fora de ordem e nos escapa todos os dias. 

Comecei falando da poesia de Hilst e vou seguir falando dos poemas de Rupi. Rupi Kaur, mulher, imigrante, tomada da arte, dos pés à cabeça, desenhou o mundo, o seu mundo em traços e palavras, criando sua própria forma e moldando os sentimentos para a compreensão da subjetividade que compõe os nossos corpos, nossos comportamentos e o que recebemos do mundo. Ele não é fácil, mas Rupi poetizou, simplificou as dores da vida, e nos entregou seus livros como quem presenteia uma pessoa amada. Há dias em que eu busco nas pequenas palavras de Rupi qualquer coisa que consiga explicar os sentimentos intraduzíveis. 

Lila, Lenu, Leda, Olga, como pode Elena Ferrante conseguir gestar tão perfeitamente essas personagens femininas, que possuem sempre um pedacinho da gente a cada leitura? Suas palavras cortantes, verdades que muita gente não gostaria de revelar, dores escancaradas, está tudo ali, exposto, rasgado, mais que dito, quase desenhado. Ferrante só pode ser mulher mesmo. Ela precisa ser uma mulher. Só uma mulher entende, sente e entrega os sentimentos que a gente tem guardados e elaborados. Falo isso porque, caso você não saiba, Elena Ferrante é um pseudônimo e ninguém sabe de fato quem é a pessoa por trás de suas obras. 

Eu vivo absolutamente tragada pelas mulheres que escrevem e pelas personagens imensas que elas trouxeram ao mundo. Chimamanda Adichie, Margaret Atwood, Ariana Harwicz, Carla Madeira, Andrea del Fuego, Ana Martins, Jarid Arraes, Aline Valek, Lygia Fagundes, Jane Austen, Rosa Montero, para representar um pouco daquelas que me fizeram companhia no último ano. Me sinto contemplada, a vida certamente é melhor porque a literatura dessas mulheres existe. Que venham mais, que nasçam mais mulheres escritoras e que eu possa ser uma das que se embebedam dessas fontes abundantes das histórias de vida e de suas complexidades. Elas sabem muito bem como falar sobre nós e para nós. Está tudo nas páginas, abra-as.

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