O presidente Jair Bolsonaro (PL) inicia nesta terça-feira (15) a viagem mais polêmica e arriscada de seu mandato até aqui, com uma curta passagem pelo centro da maior crise de segurança da Europa em décadas, a Moscou de Vladimir Putin.
Em meio ao que o Kremlin chama de histeria ocidental, os EUA dizem que uma invasão russa da Ucrânia é iminente e pode acontecer nesta semana. O próprio Bolsonaro e outras autoridades têm tentado diminuir a percepção óbvia da impropriedade do “timing” da visita, proposta por Putin no final do ano.
Evidentemente, não haveria como o russo ou o brasileiro saberem que esta seria uma semana tão decisiva na história recente da Europa, mas a sequência de recados dos EUA contra a viagem sugerem a fatura a ser cobrada.
A presença do brasileiro em meio à crise, sem uma visita casada a Kiev, tende a ser lida como um apoio tácito às exigências russas de evitar a entrada da Ucrânia na Otan e para resolver a questão das áreas separatistas pró-Kremlin no leste do país.
Bolsonaro chegará por volta das 16h a Moscou, e deverá seguir direto para o hotel. Ele e a comitiva entrarão na bolha anti-Covid do Kremlin.
Putin é notoriamente paranoico com a doença, e creditou ao fato de que Emmanuel Macron não ter feito um teste RT-PCR russo o fato de ter colocado o presidente francês na mesa gigante que virou meme na semana passada.
Todos na comitiva serão testados de três a cinco vezes ao longo da estadia –inclusive Bolsonaro. Jornalistas com acesso ao interior do Kremlin precisam produzir três resultados negativos nos dias que antecedem o encontro de Putin com Bolsonaro, na quarta (16).
O evento ocorrerá depois de o brasileiro depositar uma coroa de flores no Túmulo do Soldado Desconhecido, no Jardim de Alexandre, ao lado do Kremlin. Em 2017, na mais recente visita do tipo, Michel Temer ganhou um “Fora Temer” gritado à distância por turistas.
É improvável que isso ocorra agora: Moscou está esvaziada de turistas, com números preocupantes de contaminação pela variante ômicron.
Depois, Bolsonaro e Putin se encontram e participam de um almoço mais ampliado com a comitiva. De ministros, estarão presentes o chanceler Carlos França, Walter Braga Netto (Defesa) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo).
Houve um enxugamento profilático também da comitiva de Mário Frias (Cultura) e equipe, que viajariam sem exatamente uma agenda conhecida, mas desistiram depois de que foi revelado o custo de uma viagem igualmente sem propósito claro do secretário aos EUA.
Haverá também eventos laterais, como o encontro de Braga Netto e França com seus homólogos. Aqui o tema da Ucrânia, acreditam diplomatas envolvidos na conversa, deverá ser explorado mais do que na conversa Putin-Bolsonaro.
De todo modo, o discurso é único: o Brasil segue as resoluções das Nações Unidas, e a que fala sobre a situação no leste da Ucrânia pede uma saída negociada.
Não houvesse a crise de segurança, o tema predominante da agenda seria fertilizantes. A Rússia é líder mundial no campo, e pandemia atrapalhou as cadeias produtivas, aumentando os preços internacionais.
Dos R$ 5,7 bilhões que o Brasil importou da Rússia em 2021, 60% corresponderam a insumos fosfatados e nitrogenados. Nas conversas prévias, iniciadas em visita de França e Tereza Cristina (Agricultura) no fim do ano, a ideia era a de estabelecer um contrato mais permanente para garantir o fluxo ao país.
Os russos também deverão assinar a intenção de compra de uma fábrica de fertilizantes da Petrobras, para formalizar a parceria. Tereza, uma eventual candidata a vice na chapa de Bolsonaro assim como Braga Netto, não viajou porque contraiu Covid-19.
No caminho inverso, o Brasil exportou soja e outros produtos básicos, somando US$ 1,6 bilhão no ano passado.
FolhaPress