Quero ser notada. Você também quer. Queremos ser lembrados, e agraciados, e compreendidos. Acho que a parte mais difícil de se sentir em terra firme em tempos de hoje é justamente essa necessidade-carência-urgência em ser aceito, aprovado, aplaudido. Espetacularizo os minutos do meu dia, abro as cortinas, as câmeras, retiro os meus véus. Você também. Me disseram que cabem mais de um milhão de terras dentro do sol, será que isso consegue a proeza de fazer a humanidade entender o tamanho da sua insignificância? No fim do dia, o que fica de saldo é o que eu e você conseguimos deixar de rastro no mundo. Na terra que se pisa e no espaço das virtualidades. Tá tão bonito o céu, eu quero te falar, mas posso te mostrar, mesmo que a imagem borrada e pixelada da câmera suja do meu celular não seja potencialmente verdadeira. Saio da inércia, te vejo de longe, chego até você, com a palavra que escrevi às duas da manhã, no meio de uma insônia que me deixou inquieta e preguiçosa, e roubou a tranquilidade de um sonho possível. Me aterro na vida real, esqueço dos meus objetivos e perco a habilidade de lidar com minhas dissonâncias. Até que recebo uma notificação no celular, uma mensagem, um afago, de alguém que me lê, que me ouve, que bebe c-a-d-a-l-e-t-r-a que eu ousei tirar do papel, que não apaguei, que me atrevi a digitar, e publicar, e entregar, e muitas vezes me constranger por não saber se alguém no mundo vai estar disposto a segurar nas minhas mãos enquanto identifica partes de si no tanto que eu tirei de mim. De volta àquela mensagem, que começou a ser escrita em vinte e um de abril, ela me falou que ficou suspensa por alguns meses, enquanto lhe surgiam palavras novas, novos alimentos para os momentos em que ela estava sozinha consigo mesma e que bom saber que estive em sua companhia nesses tempos. E ela me falou, meses depois, abril já estava longe, lá atrás, que resolveu escrever para não deixar para depois aquele não-dito, porque gostaria de dizer de cada parte da criação que coloquei no mundo, quase sempre em estado de suspensão de tudo, quando tanta coisa insistia em não fazer muito sentido e somente a palavra fazia a força necessária para me trazer de volta. E ela me ouviu, leu, guardou e soprou tanta coisa nos meus ouvidos virtuais que eu estou há semanas discorrendo, escrevendo e apagando respostas, porque parece que no instante em que li tudo aquilo, toda palavra útil para aquele momento desapareceu, abrindo espaço para o vazio da contemplação. Parece que somente hoje, cadenciando l-e-t-r-a-p-o-r-l-e-t-r-a, eu me sinto pronta para devolver para ela, nessa forma de tantos pensamentos sem parágrafo, e se possível sem ponto final. Cada palavra dessa mensagem resplandeceu em mim, dia após dia, e tinha alguma coisa me avisando, como num sussurro: sinta cada vírgula e essa quentura que surgiu na sua nuca. Nesse algo que me tirou um pouco do eixo, e me falou, ponto a ponto, sobre cada sentimento remexido, cada memória destravada, cada possibilidade de história que ela, quem sabe um dia, poderá viver também, eu te digo que espero que a gente possa mergulhar nos nossos pensamentos mútuos então, nas zonas fronteiriças entre a vida real e virtual, nas histórias que compartilhamos sem saber pra onde elas estão indo. É um pouco perigoso quando a gente se vicia nas sensações que os outros nos causam. Se não mantiver os pés firmes no chão, sai voando como um balão; num primeiro momento, leve e livre e logo em seguida consumido pelo fogo e se desmanchando no ar. Volto para o meu núcleo, me recomponho e leio t-u-d-o-d-e-n-o-v-o, para não deixar passar nada do que ela achou de me falar. Criamos um manancial todo nosso, onde correm águas abertas, cristalinas e nossas palavras podem se fundir sempre que for possível. Sigo elaborando respostas para tudo, porque aprendi que quando a gente afeta uma vida, acaba salvando um pedaço do mundo, sem-ponto-final, como eu prometi
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