ARTIGO: Pela Ecologia Social e por um Milagre

Senhores, tenham piedade de nós!

Quem vos escreve é um nativo. E, portanto, como não é raro por essas bandas, neto, sobrinho e primo de pescadores artesanais da Rota Ecológica dos Milagres. O texto que se segue é a mais pura súplica, é um pedido à sensatez, ao respeito pelos direitos dos daqui e a uma nova configuração de convivência com a natureza e seus atores.

O território e seus viventes: homens, mulheres, caranguejos e peixes

Duas fronteiras fluviais, uma ao Norte e outra ao Sul, entre as fozes de dois rios: o Manguaba e o Camaragibe. Somos Porto de Pedras, São Miguel dos Milagres e Passo de Camaragibe. Três municípios que juntos, via decreto estadual de 2014, formam a Rota Ecológica dos Milagres.

A Rota possui uma costa litorânea provida de recifes de corais – as “pedras”, na linguagem local – e também estuários e seus rios, bem como manguezais e seus aratus ligeiros e avermelhados e caranguejos uçá que se enfiam na lama.

Entre as praias e os recifes de corais encontramos o “mar de dentro”, o mar manso, onde mulheres pescam mariscos, siris e também tainhas. Rompendo a fronteira natural – as “pedras”– abre-se caminho para o “mar de fora”, o alto mar, porta de entrada para o oceano atlântico e seus mistérios, ambiente de bravos pescadores que vão sem saber se voltam em caçadas aos lagostins, as cavalas, aos serras e aos robalos.

Por aqui os pescadores também dançam Cambinda e Pastoril. Brincam com máscaras de Bobos e Bumba meu boi. As pescadoras entrelaçam talos da palha de coqueiros que se tornam arte. Transformam mandioca em farinha num tacho gigante e quente. Rezam e pedem bênçãos em procissão por Nossa Senhora da Glória, São Miguel Arcanjo e Nossa Senhora da Conceição.

Mas tudo isso está por um triz.

A pesca artesanal em perigo de extinção

O pescador só é pescador por ter no seu território – o mar e a praia – o processo de produção e reprodução social de seus costumes e crenças. O mar e a praia são dotados de um complexo sistema de representações simbólicas, que envolve os fenômenos naturais em constante diálogo com o imaginário social pesqueiro.

As disputas vivenciadas pelos pescadores e proprietários de sítios e terrenos na praia é caracterizada pelas diferentes percepções de mundo que entram em concorrência constantemente. De um lado, os que respeitam os ciclos das marés e as fases da lua para exercerem o agir pesqueiro. Do outro, os que calculam lucros exorbitantes a cada metro quadrado negociado na especulação imobiliária. São mundos distintos. Um sustentável, outro fadado à exploração sem limites e ao extermínio.

O ideário desenvolvimentista e “progressista” vigente não nos representa. A expropriação e a tomada da praia e seus acessos contra os pescadores e a população local é a privatização do território comum pesqueiro. Esse modelo é insustentável. Se assim continuar, só um milagre para nos salvar.

O Apelo

Senhores, a jangada, a vila de pescadores, a praia deserta, o chapéu de palha – tidos aqui como representações pesqueiras de um lugar e de um tempo anterior que foi transposto para o agora – utilizados em propaganda e marketing de grandes empreendimentos, estão sendo destruídos.

A rusticidade da vida tranquila na praia não é mais real. Os pescadores vivenciam um estranhamento espacial, um desentendimento com o novo espaço construído, afetando diretamente sua identidade de grupo. Coqueiros e amendoeiras estão “caindo” e suas palhoças sendo destruídas.

Olhem para frente, um pouco mais adiante, pois o palmo depois do nariz é muito curto e não inteligente. Se assim não for, tudo vai por água abaixo – pesca artesanal e empreendimentos – tudo.

Sem consciência Ecológica e um verdadeiro Milagre, seremos uma Rota sem história preservada, sem arte e sem cultura valorizada. Ou é isso ou mudaremos o decreto de 2014 rebatizando o nome da Rota. A “Ecológica” e o “Milagres” não farão mais sentido.

Em tempo:

Posições e ações práticas (mais do que simples audiências burocráticas) vindas do ICMBio, IMA, Ministério da Pesca, Ministério Público, Prefeituras, Colônia de Pescadores e SPU são indispensáveis.

Thiago Souza, Produtor Cultural, Brincante da Cultura Popular e Mestre em Sociologia.

Sair da versão mobile