A coisa mais difícil do mundo

Imagem: Pinterest

você tem o seu tempo

suas próprias sutilezas de ver 

o mundo

um caminho

 

único 

 

pode ir pelo impossível 

pisar em pedregulhos

rachar os pés no asfalto 

em chamas

 

tudo é seu

tão somente

trate o mundo com cuidado

 

o que eu posso oferecer

é meu olhar atento

margeando a sua estrada

vestida da armadura 

que me fará te proteger

das tempestades 

e pedras 

 

estou aqui

estou sempre aqui

eu te vejo

 

“O tempo reivindica tudo, minha filha”, minha avó me dizia. Eu cresci ouvindo essa frase e não saberia lhe dizer a partir de que momento ela começou a fazer sentido para mim. Lembrei dela novamente um dia desses, e a voz da minha avó tomou conta dos meus ouvidos durante vários dias.

Quando me questionam por não querer mais filhos, a única coisa que eu penso e às vezes me dedico a explicar é que eu não tenho mais interesse nem disposição para educar e ensinar um outro ser humano com a mesma intensidade e cuidado que eu e meu marido fazemos com nosso filho. Se a parte mais fácil da parentalidade é alimentar e manter a cria segura, eu não consigo colocar em palavras o quão profundo é o nível de dificuldade para formar um ser humano que é cidadão, amigo, aluno, companheiro, tornando-o alguém que poderá exercer a sua universalidade de maneira estável e equilibrada. 

A imensa responsabilidade de se criar uma pessoa com visão de mundo baseada na empatia, que desenvolve sua autonomia e se transforma em alguém independente e livre em suas ações e pensamentos, desprende uma energia que eu não sou capaz de doar para mais ninguém. Eu fui mãe muito jovem, e apesar do inesperado daquela gravidez e dos pensamentos desnorteados, eu tive a certeza de que minha nova realidade me faria acordar num mundo onde eu entregaria, muito em breve, uma mini cópia de mim. Decidi que o maior projeto que poderia me dedicar seria à formação de alguém que aprenderia a existir, apesar das incertezas, porque isso de saber viver já dá um trabalho e tanto. No fim das contas, a gente vive mesmo é de catar coisa bonita da vida para transformar a nossa presença aqui na terra o mais próximo de uma experiência feliz. É bem verdade que de amor e poema a gente até tenta entender, mas no final não encontra nada que explique e, mesmo assim, continua insistindo na espera pelos sorrisos enormes.

Como é o rosto do medo? Eu me perguntei um dia desses, e a resposta veio como quem tropeça e quase sai atropelando tudo: o rosto do medo tem as feições muito parecidas com o de uma mãe. Eu já tive medo do meu filho cair do berço, de morrer dormindo e engasgar com o leite. Tive medo quando ele caiu da cama e formou um galo na testa – será que está tudo bem na cabecinha dele, meu Deus? – quando cambaleou nos primeiros passos, ou teve a sua primeira alergia, quando machucou o pé na roda da bicicleta. Depois de um tempo, eu comecei a ter medo de ficar longe dele e acontecer algo fora do meu controle, ou de atravessar a rua segurando suas mãos, ou de não saber curar uma gripe e aquilo se transformar em pneumonia, fazendo ele parar no hospital e a culpa de tudo ser minha. Me amedrontei sem saber se ele aprenderia a se virar sozinho nas atividades básicas do dia a dia, se levaria um tombo no banho, se iria engasgar com espinha de peixe. Eu não conseguia pensar em como seria se ele não soubesse responder a algum constrangimento, intimidação, silenciamento, ou se não conseguisse se encaixar entre os amigos.

Não é possível existir, em nenhuma outra atividade do mundo, além da maternidade, essa agonia constante do medo, na mesma proporção do sentimento de que nada nessa vida poderá me impedir de enfrentar os meus piores pesadelos, pessoas, doenças ou confusões de todo tipo. O medo que uma mãe sente é de fora para dentro, mas a bravura faz o caminho contrário. Ela percorre as veias, salta dos ossos e atravessa os olhos. É quando encontra o grito e invade a atmosfera num ciclo imediato, e neste momento, não há nada capaz de parar uma mãe que está sempre em alerta para o que o mundo oferece ao seu filho. 

Maternidade é antítese sem pausa no tempo, e quando eu tento segurá-lo nas mãos, ele mastiga os meus dedos. E se educar um filho não for a coisa mais difícil que estou fazendo na vida, eu não sei mais o que pode ser. Que o tempo nos proteja, amém!

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