Raphael Medeiros
Resquícios dos anos de chumbo. Petrúcio Lages hoje tem 83 anos e é o bancário mais velho em atividade no Brasil. Mas a história dele não conta somente os dígitos bancários, mas também uma luta política muito antiga. Diretor do Sindicato dos Bancários de Alagoas, Lages foi demitido pela quarta vez do Banco do Nordeste, após ser reintegrado no início de 2023. Ele havia sido demitido pela terceira vez em 2022.
Em entrevista para a Folha de Alagoas, Petrúcio falou o que sentiu quando recebeu a notícia do quarto afastamento:
“Recebi a notícia com surpresa, eu esperava que o TST, o ministro, tudo fosse mais preciso, em relação à lei”.
Lages também disse que, o maior problema agora, é a falta de tempo de contribuição com o INSS, já que ficou 52 anos distante do Banco do Nordeste, após a primeira demissão e retornou somente em 2016, fazendo com que ele tenha somente 7 anos de participação previdenciária junto à empresa e não 15, como é previsto.
A lei que pautou a decisão do Banco foi a Emenda Constitucional 103/19 (a chamada Reforma da Previdência), que diz que a empresa pode forçar a aposentadoria de algum de seus colaboradores ao atingir os 75 anos. Porém, a lei também diz que isso só vale se houver a possibilidade do trabalhador de receber a aposentadoria, o que não é o caso de Petrúcio.
Ao ser perguntado sobre como fica a questão financeira durante esse vai e vem trabalhista, ele disse que ao ser reintegrado, recebeu todas as promoções, como se estivesse trabalhando, mas não recebeu todos os direitos retroativos, como férias e 13º. Em suas palavras: “aqui eu não recebi nada disso e agora, saindo dessa vez, não vou receber nem aviso prévio e não sei como fica essa questão da aposentadoria”, finalizou com ar de incerteza.
Durante a conversa, perguntamos se ele iria recorrer novamente e recebemos uma resposta de bate-pronto “com certeza, já estamos analisando isso inclusive” e continuou dizendo que “dependendo do andar da carruagem, vamos entrar com um pedido de recurso extraordinário, para ser analisado pelo STF.”
Direito à Anistia
Devido às perseguições ininterruptas sofridas por Lages durante a ditadura, o bancário recebeu a atualmente chamada de “Reparação Indenizatória de Anistia”, porém, a confusão burocrática brasileira criou uma cama de gato para Petrucio.
Ao receber o dinheiro do Tesouro Nacional, a indenização, o Governo Federal disponibilizou o recurso através do INSS. Sendo assim, Petrucio é considerado aposentado, mesmo sem ser. O que dificulta na ação contra o afastamento do BNB.
Em suas palavras, Lages defende seus direitos e diz “embora eu produza a mesma coisa de um bancário mais jovem, eu recebo mais e isso é um problema para o banco.” e continua dizendo com a voz embargada “eu lutei tantos anos pra voltar a trabalhar no banco”, relembrando os 52 anos afastado da instituição.
Demissões e reintegrações
- Em 1964, Petrúcio tinha 24 anos e foi demitido pela primeira vez. Ele recebeu a primeira decisão favorável em 2016, após uma longa batalha judicial, iniciada em 1990, para receber seus direitos.
- Em 2020, o banco volta a demitir o bancário sob alegação de que a Reforma da Previdência de Bolsonaro não permite trabalhadores em empresas públicas com mais de 75 anos, assim, forçando a aposentadoria do mesmo.
Imediatamente, o sindicato entrou com nova ação na justiça, demonstrando que a lei não poderia retroagir para prejudicar o bancário, que já possuía 76 anos, à época, e em 2021, conquista sua nova reintegração.
- Já em 2022, o banco recorre e consegue anular a sentença, demitindo Petrúcio mais uma vez em agosto de 2022.
- No conturbado 2023, Petrúcio recebe mais uma reintegração, no mês de março. Passados seis meses da decisão, na sexta-feira, dia 22 de setembro, ele recebe a quarta demissão, aos 83 anos de idade.
História de cinema
Em 2022, Petrúcio Lages teve sua vida e luta eternizada nas telinhas. Com o documentário “Petrúcio Lages: O Bancário que não se rende!”, realizado para comemorar o aniversário de 85 anos do Sindicato dos Bancários de Alagoas.
A peça retrata toda a trajetória do profissional, que atuou não só como bancário, mas como frente atuante contra a ditadura militar e contra o posicionamento antidemocrático.
A Folha de Alagoas entrou em contato com o Banco do Nordeste, que reafirmou o amparo legal da decisão, confira a nota na íntegra:
“O Banco do Nordeste informa que a rescisão contratual do Sr. Petrúcio Lages com esta Instituição Financeira está amparada no disposto no §16 do art. 201 da CF/88 e em acórdão do TRT 19 emitido nos autos da ação trabalhista por ele movida em face deste Banco.”
