Congresso revela o processo de indenização das famílias afetadas pelo crime da Braskem

Romison Florentino

Nesta semana, aconteceu o XII Congresso de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas do Brasil.

A noite de quarta-feira (6) foi marcada pela abertura do evento e contou com a presença da ex-conselheira do Conselho Nacional de Justiça, Maria Tereza Uille Gomes e o presidente da Associação dos Notários e Registradores de Alagoas, Rainey Marinho.

Os cartórios tiveram uma importante atuação ao coordenar a desocupação e a indenização das famílias que residiam nos bairros afetados pelo colapso socioambiental provocado pela Braskem.

A palestra teve como objetivo discutir e esclarecer o papel essencial das instituições, em conjunto com o Poder Judiciário, na garantia dos direitos dos 55 mil moradores que tiveram que sair das suas casas.

Segundo dados apresentados no congresso, ao todo, 14 mil imóveis foram condenados, e as famílias primeiro comprovaram a propriedade ou posse do imóvel, apresentando uma documentação específica para dar início ao processo dos ressarcimentos.

Em entrevista à Folha de Alagoas, o presidente da Associação dos Notários e Registradores de Alagoas (Anoreg/AL), Rainey Marinho, detalhou a força tarefa dos cartórios no momento crítico de evacuação.

“Foi necessário regulamentar a situação civil, das pessoas físicas e dos imóveis. Nós fomos pra lá para recuperar documentos, registrar esses documentos, lavrar escrituras, nós fizemos inventários, tudo isso na intenção de levantar um arcabouço para que essas pessoas fossem indenizadas de forma segura pela Braskem”, afirmou.

O levantamento desses dados só foi viabilizado por meio de um convênio do Tribunal de Justiça com a mineradora Braskem e precisou ser alimentado diariamente. A necessidade e desespero durante a evacuação, fez muita coisa ficar para trás e a falta de documentação poderia deixar os direitos dos moradores dos bairros afetados em maior vulnerabilidade.

“Para começar uma regularização é preciso ter os documentos registrados, é preciso que haja uma segurança jurídica para que se começasse. Foi a partir disso que iniciou os trabalhos da Anoreg e os cartorios”, esclareceu Rainey Marinho.

Em Maceió, Maria Tereza Uille foi designada pelo então presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, para acompanhar o caso.

A procuradora contou com o apoio da Anoreg/AL, do Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas (IRTDPJBrasil), da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais (ARPEN) e da Defensoria Pública do Estado, que ajudaram os moradores a obter documentos essenciais no processo, como o título de posse de suas moradias.

A ex-conselheira do CNJ explicou como ficou sabendo da escalada de tensões ambientais que vinha ocorrendo em Maceió. Segundo ela, havia uma iniciativa do CNJ e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que buscava soluções para desastres em áreas de mineração como em Brumadinho/MG e Mariana/MG.

“Por curiosidade, perguntei ao diretor-geral da Agência Nacional de Mineração, Victor Hugo Bicca, se havia, no Brasil, a chance de uma nova tragédia parecida com a de Brumadinho. Aí ele respondeu que em Maceió, o afundamento do bairro do Pinheiro poderia ser uma tragédia muito maior que Brumadinho e Mariana juntos”, disse Maria Tereza Uille.

Uma fala da procuradora que chamou atenção diz respeito aos diferentes danos enfrentados pelos moradores dos bairros afetados. Para ela, a vida humana foi preservada e os problemas causados pela Braskem em Maceió ficaram apenas no âmbito dos danos morais e financeiros.

“Ninguém morreu. Tem algum dano? Tem dano moral, óbvio que teve. Teve dano financeiro? Sempre fica alguma coisa, mas não se perdeu nenhuma vida humana”, finalizou.

A fala da representante do CNJ demonstra, não apenas o desinteresse do Poder Judiciário em se aprofundar na responsabilização dos danos provocados pela mineradora, como levanta questionamentos sobre o papel da Justiça em casos como este.

Dados levantados pelo Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB) afirmam que, até o momento, 20 pessoas afetadas pela mineração, cometeram suicídio, de 2018 para cá.

A última vítima foi dona Pureza – como era conhecida a dona de casa Maria Tereza da Paz, 63 anos. Na tarde do dia 31 de outubro deste ano, na região de Bebedouro, em Maceió, a moradora do Flexal de Cima foi encontrada sem vida.

Além disso, também foi encontrado na casa da idosa um bilhete que havia sido escrito com letra do próprio punho, em uma folha de papel pautado, em 30 de outubro, um dia antes de seu corpo ser encontrado por um familiar.

“Cada vez que eu vejo os benefícios da Braskem, a minha desilusão aumenta. Estou cada vez mais depressiva, em saber que vou ficar nesse isolamento para sempre. Pureza”.

O crime da Braskem causou danos muito maiores do que somente perdas morais e financeiras, mas afligiu a dignidade, a história e a existência de quase 60 mil alagoanos, que tiveram suas trajetórias de vida transformadas para sempre.

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