Bolsonaro foi alertado de ‘desvios, fraudes e irregularidades’ no INSS durante transição, dizem peritos

Ex-ministro Onyx Lorenzoni diz que não se lembra da categoria falar de descontos associativos, pivô da crise atual

Foto: Divulgação ANMP

A ANMP (Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social) afirmou ter levado ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) informações sobre “desvios, fraudes e irregularidades com o dinheiro público dentro do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social)” durante a montagem do governo.

A reunião com o ex-presidente ocorreu em 11 de dezembro de 2018 no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), em Brasília, onde estava instalado o gabinete de transição entre os governos Michel Temer (MDB) e Bolsonaro.

Representantes da ANMP foram apresentados à equipe de Bolsonaro pelo senador Izalci Lucas (PL-DF), à época recém-eleito. Em entrevista à Folha de São Paulo em maio, o senador afirmou que peritos do INSS o procuraram após a eleição com denúncias de irregularidades no órgão e pleitos relativos à carreira.

Em maio e em agosto, a reportagem pediu ao senador o nome dos peritos, mas ele disse não se lembrar. Izalci também afirmou não ter certeza sobre a data da reunião ou o nome de todas as pessoas da transição com quem eles haviam conversado.

“Quando eu ganhei para o Senado e o Bolsonaro foi eleito, eles fizeram uma apresentação para mim dos indícios de irregularidade com relação ao seguro-defeso, às aposentadorias rurais, fizeram toda uma exposição. Diante dessa apresentação, eu agendei [uma visita] na transição para eles falarem sobre esses indícios”, afirmou.

A Folha de São Paulo identificou que os peritos foram recebidos ao menos três vezes no gabinete de transição de Bolsonaro. O primeiro encontro ocorreu em 12 de novembro de 2018 com o ex-ministro Onyx Lorenzoni, à época ministro-chefe do gabinete de transição de Bolsonaro.

Segundo o registro feito pela ANMP, a entidade “expôs ao ministro Onyx Lorenzoni os problemas da gestão do INSS e da Previdência Social e seu impacto no déficit do sistema”. A associação diz que também tratou da Reforma da Previdência e dos resultados do programa de revisão de benefícios previdenciários feito por Temer.

Um mês depois, a ANMP foi recebida pessoalmente por Bolsonaro. Outros assuntos também foram discutidos, segundo a associação, como a criação de uma carreira federal de perícia médica, além do “mal que o aparelhamento político e ideológico causou à autarquia e à Previdência Social”.

“O presidente reforçou a importância de nosso trabalho e ficou surpreso com os números apresentados pela ANMP sobre desvios, fraudes e irregularidades com o dinheiro público dentro do INSS”, diz o texto publicado no site da associação na data do encontro.

Após a agenda com Bolsonaro, a entidade foi recebida pelo deputado federal Osmar Terra (PL-RS) —que havia sido anunciado por Bolsonaro como ministro da Cidadania— e pelo grupo de trabalho temático da Previdência Social.

Durante as três agendas, a ANMP foi representada por seu então presidente, Francisco Cardoso (hoje vice-presidente), pelo ex-vice-presidente, Luiz Argolo (hoje presidente), e pelo diretor sindical Samuel Abranques. A ANMP foi procurada pela reportagem, mas não quis se manifestar.

Cardoso é conselheiro titular do CFM (Conselho Federal de Medicina). Durante a CPI da Pandemia, em 2021, ele foi convidado por parlamentares bolsonaristas para defender a ivermectina, vermífugo sem comprovação científica de atuação contra a Covid.

No governo Lula (PT), o escândalo das fraudes nos descontos do INSS explodiu após investigações da CGU (Controladoria-Geral da União) e da PF (Polícia Federal).

A revelação do esquema culminou na demissão do então ministro da Previdência, Carlos Lupi (PDT). Desgastado, o governo intensificou uma estratégia para responsabilização dos antecessores pelo esquema que levou às irregularidades.

Embora governistas insistissem em dizer que a arquitetura fraudulenta tinha sido montada em governos passados, a oposição explorou o escândalo e pressionou pela criação de uma CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) no Congresso.

Em dois debates com o deputado federal Alencar Santana (PT-SP), na rede CNN Brasil, em maio e em agosto, Izalci admitiu ter sido procurado por peritos, sem identificá-los. No ar, foi acusado de prevaricação pelo petista.

A reunião de Bolsonaro com peritos do INSS motivou outro embate durante a sessão da CPMI do INSS do último dia 8, quando Izalci foi novamente questionado sobre o assunto.

“Se algum presidente fez alguma coisa concreta, chama-se Jair Messias Bolsonaro. Agora, eles pegam uma reportagem como essa, criam narrativa e ficam repetindo isso constantemente”, respondeu o senador do PL, um dos membros da CPMI.

Em maio, quando foi questionado pela Folha de São Paulo, o senador citou a medida provisória 871, editada em 17 de janeiro de 2019, como a resposta do governo Bolsonaro às suspeitas de fraude no INSS. Izalci foi presidente da comissão temporária dedicada ao tema. O senador afirmou que Bolsonaro não tinha maioria de votos, na ocasião, para avançar com a mudança.

A MP incluiu uma regra para que a autorização do desconto de associações em aposentadorias e pensões fosse autorizado anualmente. Durante a tramitação no Congresso, a exigência passou para três anos a partir de 31 de dezembro de 2021. Em 2021, o Congresso jogou o início da contagem para 31 de dezembro de 2022.

Depois, em 2022, a lei que criou o Programa de Simplificação do Microcrédito Digital para Empreendedores revogou a necessidade de reavaliação periódica. A MP foi sancionada por Bolsonaro sem vetos.

A Folha de São Paulo tentou contato com Bolsonaro por meio de um assessor e de dois advogados, mas foi informada pela defesa que o ex-presidente está incomunicável por decisão judicial.

/Folha de São Paulo

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