Diante de divergências crescentes entre governo, oposição e forças de segurança, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), adiou para a próxima terça-feira (18), como pauta única, a votação do projeto de lei 5.582/2025 (PL Antifacção), que cria o novo Marco Legal de Combate ao Crime Organizado.
O pedido partiu do relator, Guilherme Derrite (PP-SP), que argumentou precisar de tempo para fazer “ajustes finais” e “correções redacionais” no substitutivo. Ele afirmou que o texto ainda está em construção e que permanece aberto a contribuições de parlamentares.
“Meu relatório nunca foi linha de chegada, mas ponto de partida”, disse. Segundo Derrite, o substitutivo aproveita “boas iniciativas” da proposta enviada pelo governo e incorpora sugestões colhidas nas últimas semanas.
Hugo Motta endossou o discurso e afirmou que a Câmara não pode tratar a pauta da segurança pública com precipitação.
“Ninguém quer conduzir essa discussão de maneira açodada”, declarou. Para ele, o relator tem feito um “trabalho eminentemente técnico” e manteve pontos importantes da versão original apresentada pelo Executivo.
Governo vê “caos jurídico” e critica enfraquecimento da PF
A decisão de adiar a votação ocorre após o Ministério da Justiça divulgar nova nota com críticas ao terceiro parecer de Derrite. Mesmo após mudanças, a pasta afirma que o texto pode instaurar “um verdadeiro caos jurídico” e produzir “retrocessos jurídicos e institucionais inaceitáveis”.
O governo aponta que o substitutivo:
- pode prejudicar financeiramente a Polícia Federal ao redirecionar recursos para fundos estaduais;
- retira instrumentos considerados essenciais para enfrentar facções, como o perdimento extraordinário de bens de origem ilícita;
- abandona a criação do tipo penal de “facção criminosa”, defendida pelo Ministério da Justiça;
- altera normas já consolidadas, o que poderia beneficiar investigados e gerar insegurança jurídica.
A nota foi divulgada um dia depois de Derrite recuar de dois pontos que causavam forte resistência: a equiparação entre facções e grupos terroristas e a exigência de autorização de governadores para operações conjuntas entre polícias federais e estaduais.
Ainda assim, o governo entende que o relatório continua problemático e defende mais tempo para aperfeiçoamento. A própria pasta usou a palavra “açodamento” – repetida mais tarde por Hugo Motta – para pedir cautela.
Governadores querem diálogo com STF e Senado
A pressão pelo adiamento também veio de quatro governadores de oposição ao governo federal, que se reuniram com Hugo Motta nesta quarta-feira (12). O grupo, que integra o chamado “consórcio da paz”, pediu 30 dias para discutir o projeto e outras propostas sobre segurança pública que tramitam na Câmara.
Participaram da reunião:
- Cláudio Castro (PL-RJ)
- Romeu Zema (Novo-MG)
- Jorginho Mello (PL-SC)
- Ronaldo Caiado (União Brasil-GO)
- Celina Leão (PP-DF), vice-governadora
Castro foi direto: “Quem opera a segurança pública são os estados. Não adianta aprovar um projeto sem saber se ele vai ajudar na prática”.
Segundo o governador fluminense, uma tramitação acelerada pode levar a questionamentos judiciais e travar a proposta no Senado ou no STF. Zema, Mello e Caiado defenderam que qualquer solução deve envolver os Três Poderes e operadores da segurança.
Plenário converge pelo adiamento
Em Plenário, governo e oposição, que raramente caminham juntos, acabaram convergindo. A avaliação majoritária é que o tema exige mais maturidade e debate.
O líder do MDB, Isnaldo Bulhões Jr. (AL), pediu “serenidade” para finalizar o texto. O líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), afirmou que o país precisa deixar “paixões ideológicas” de lado e enfrentar o crime organizado com responsabilidade. Ele também afastou a ideia de que o Congresso possa retirar autoridade da Polícia Federal. O coordenador da Frente de Segurança Pública, Alberto Fraga (PL-DF), reforçou o pedido de cautela. Já o relator da Lei Antiterrorismo, Arthur Oliveira Maia (União-BA), defendeu que facções tenham uma legislação específica, sem misturar conceitos com terrorismo.
O líder do governo, José Guimarães (PT-CE), disse que o prazo não precisa ser tão longo quanto o pedido pelos governadores, mas reconheceu que alguns dias são necessários para “amadurecer um consenso”. Já o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), afirmou esperar que o tema seja votado “no máximo na próxima semana”, como propõe Hugo Motta.
O que permanece no texto
Após ajustes recentes, Derrite:
- manteve a Lei Antiterrorismo intacta, sem vincular facções a terrorismo;
- retirou dispositivos que ampliavam o papel da PF e poderiam interferir obrigações das polícias estaduais;
- buscou estruturar uma legislação própria para o crime organizado com atuação empresarial, foco do projeto.
Mas pontos centrais continuam em disputa, como a criação de um tipo penal específico, a destinação de recursos e instrumentos de asfixia financeira das facções. “É um tema importante demais para ser votado às pressas”, afirmou o presidente da Câmara.
/Congresso em Foco
