O diploma de ensino superior ainda não é capaz de garantir uma inserção justa das mulheres negras no mercado de trabalho do Brasil. Um levantamento realizado pelo Insper mostra que, a depender da profissão, um homem branco chega a ganhar mais que o dobro do que elas recebem para executar o mesmo trabalho.
O levantamento do Insper apurou o salário por raça e gênero no país e também fez o detalhamento para cinco profissões: engenheiros e arquiteturos, médicos, professores, administradores e cientistas sociais. Em todas, as mulheres negras recebem menos do que homens, tanto brancos e como negros, e do que mulheres brancas.
O trabalho foi conduzido pelos pesquisadores do Insper Beatriz Ribeiro, Bruno Komatsu e Naercio Menezes Filho como base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2016 e 2018.
Um dos abismos mais evidentes apurado pela pesquisa foi observado em medicina. Entre os formados em universidade pública, as mulheres negras têm um salário médio de R$ 6.370,30, enquanto os homens brancos ganham R$ 15.055,84. No grupo de médicos que cursou medicina em instituições privadas, a remuneração é de R$ 3.723,49 e R$ 8.638,68, respectivamente.
Na área de ciências sociais, uma outra diferença gritante: um homem branco formado em universidade pública tem um salário de R$ 8.814,05. A mulher negra recebe R$ 4.141,69.
De forma geral, levando-se em conta todas as profissões, a pesquisa revela que o salário médio de uma mulher negra com diploma universitário de instituição pública é de R$ 3.047,51, enquanto a remuneração das que cursaram universidades privadas têm uma remuneração média de R$ 2.902,55.
No topo da remuneração, os homens brancos formados em universidades públicas têm um salário médio de R$ 7.891,78, e os que possuem ensino superior privado alcançam um ganho médio de R$ 6.626,84. Portanto, uma diferença em relação às mulheres negras de 159% e 128%, respectivamente.
‘Tive que demonstrar o que os outros não precisam’
Formada em administração de empresas, Viviane Moreira sempre conviveu com as diferenças salariais – na área dela, por exemplo, o estudo do Insper mostra que homens brancos ganham quase o dobro das mulheres negras. Hoje, Viviane trabalha como gerente sênior de uma multinacional no setor de seguro saúde.
Nascida na Vila Talarico, Zona Leste de São Paulo, Viviane diz que uma mulher negra vinda da sua região teria como destino mais provável “trabalhar no mercado da vila ou ser mãe solteira, com muita sorte talvez empregada doméstica.”
“Eu tive a sorte de ter uma educação de base de qualidade, eu era bolsista num colégio particular. E eu não tenho dúvida de que a educação me proporcionou uma segunda etapa de condição, que são as oportunidades na carreira profissional”, afirma.
Empreendedorismo por necessidade
Com salários tão baixos e a dificuldade de inserção no mercado de trabalho, muitas mulheres negras acabam partindo para o empreendedorismo pela necessidade de ter um aumento na renda.
Numa análise mais ampla, a dificuldade do Brasil em absorver e dar oportunidade para mulheres negras qualificadas no mercado de trabalho tem um custo bastante elevado para o crescimento da economia brasileira. Nos Estados Unidos, por exemplo, de acordo com Naercio, a inserção de negros em atividades qualificadas ajuda a explicar boa parte do desempenho econômico dos últimos anos.
“A mesma coisa pode acontecer aqui no Brasil. É muito raro encontrar um médico, dentista ou advogado negro, tanto homem como mulher. Talentos estão sendo desperdiçados na sociedade brasileira”, diz Naercio. “É importante incorporar esses talentos para que a gente tenha um crescimento no futuro porque a produtividade brasileira está estagnada nos últimos 40 anos.”
Mudança da realidade
Entre os especialistas, há consenso de que uma mudança do quadro atual, da desigualdade do mercado de trabalho, só será alterada se negros e brancos tiverem as mesmas oportunidades desde a infância.
“É preciso igualar as oportunidades na vida. Desde o nascimento, mulheres e homens negros têm que ter as mesmas oportunidades para realizar os seus sonhos do que mulheres e homens brancos”, diz Naercio.
Uma eventual igualdade de oportunidades, no entanto, só deve se traduzir num cenário melhor no longo prazo. No curto, os analistas apontam que as empresas têm de adotar políticas afirmativas que garantam igualdade entre brancos e negros e mulheres e homens.
G1