“O Brasil não é para principiantes”. Essa famosa frase atribuída a Antônio Carlos Jobim e adaptada, no mesmo sentido, para “o Brasil não é para amadores”, caiu no gosto popular. É comum ouvirmos comentários que fazem uso dela para expressar um certo espanto com fatos da vida nacional. A expressão é dita para sintetizar que no Brasil acontecem situações difíceis de entender e, mais ainda, de explicar, complexas por assim dizer, principalmente para aqueles que não nasceram por aqui.
Tenho sobrinhos americanos já adultos, filhos de duas irmãs que foram morar nos Estados Unidos na década de 1970 e que lá constituíram família. Desde crianças, eles passam férias no Brasil. É inevitável dizer que sempre tivemos que explicar nosso país para eles. Agradeço a Deus que, pela frequência das visitas, apenas aulas de atualização são agora necessárias. Explicar o Brasil do “zero” para estrangeiros é tarefa bem mais complicada.
Minha situação seria menos emblemática se essas aulas de brasilidade se ativessem apenas ao carnaval, aos costumes do nosso povo e a nossa fantástica formação como país continental. No entanto, um dos sobrinhos é cientista político e os seus questionamentos, portanto, são bem mais consistentes.
Não tem muito tempo, passei por situação constrangedora ao tentar explicar para ele aquela decisão do Supremo Tribunal Federal que resultou na anulação de alguns julgamentos da Operação Lava Jato, sob a alegação de que a Justiça Federal do Paraná era incompetente para julgar aquelas ações. O problema não foi explicar o “princípio do juiz natural”, que estabelece o local de julgamento por intermédio de regras claras e prévias ao processo, que em síntese se constituem numa das mais importantes garantias do devido processo legal. Difícil mesmo foi justificar porque se chegou a essa conclusão depois de tantos anos. Não consegui. Desconfio que meu sobrinho tenha ficado com a impressão de que temos uma Suprema Corte de retardados, no sentido temporal da palavra.
Agora, minha árdua tarefa é comentar como se comporta por aqui a clássica separação entre os poderes. Enquanto escrevo sobre os últimos episódios, choro de rir abraçado ao meu copo de cerveja. Às vezes, por achar tudo uma grande piada. Outra vezes, por puro nervosismo. Imagine a tarefa de falar sobre a “separação” dos poderes do Estado e ter que explicar que por aqui, não por erro de interpretação, os chefes do Legislativo, Executivo e Judiciário estão dando um sentido bélico ao texto constitucional, com troca de ofensas digna dos becos mais escuros da nossa malandragem.
Em breve, terei de explicar que agora estão sob suspeição as urnas eletrônicas usadas sistematicamente durante os últimos 25 anos. Complicado. Urnas massivamente utilizadas em 5.568 municípios para a eleição de vereadores, prefeitos, deputados estaduais, deputados distritais, deputados federais, senadores, governadores e Presidentes da República. Urnas que ao longo de duas décadas investiram candidatos em mais de 500 mil mandatos eletivos, pois só nas eleições de 2020 elas definiram a ocupação de 70 mil cargos municipais. Como explicar ao meu sobrinho que depois de tanto tempo e tantas investiduras, sem qualquer fato novo ou fraude comprovada, o assunto passou a ser objeto de calorosos debates? E põe calorosos nisso. Pelo tempo decorrido desde a adoção das urnas eletrônicas, receio que ele pense que esse súbito inconformismo de alguns possa ser considerado como pretexto para pretensões obscuras.
Mas não fugirei da raia, até mesmo porque já me acostumei a enfrentar esses desafios políticos-parentais. Já pautei nesse intercâmbio de informações com meu sobrinho outras tarefas árduas. Estão no rol das explicações impossíveis: a composição da mesa diretora da CPI da COVID-19; a aceitação pelo governo do apoio do Roberto Jefferson, réu confesso condenado por corrupção no escândalo do mensalão; os inquéritos em causa própria promovidos pelo STF; a declaração “Eu sou do Centrão” feita pelo Presidente, depois de críticas veementes a esse grupo fisiologista durante a campanha eleitoral; e por aí vai. A lista é a cada dia mais extensa.
Mas é assim mesmo. Tudo culpa do meu sobrinho. Essas crianças crescem e resolvem atrapalhar a vida da gente com perguntas difíceis. Saudades dos tempos em que ele me fazia perguntas infantis, querendo saber o motivo de a Mônica ser chamada de baixinha, já que Magali, Cascão e Cebolinha tinham a mesma altura. Essas crianças tornam-se adolescentes e começam a criar problemas. Em 2012, o danadinho já dava sinais de sua inquietação ao me perguntar por que os antigos rivais Lula e Paulo Maluf estavam se aliando. Um saco. Definitivamente, o Brasil não é para principiantes e nem amadores.