Programa assegura auxílio de intérpretes de libras para mães surdas durante o parto

Foto: Thiago Sampaio / Agência Alagoas

Imagine uma mãe vivendo um dos momentos mais especiais de sua vida – o nascimento do seu filho. No entanto, durante o parto, ninguém fala com ela, nem mesmo para informar sobre a saúde do bebê, como se a mãe fosse invisível para a equipe médica. O parto é marcado pelo silêncio e a sensação de estar à margem, como alguém assistindo a um filme sem som e sem legendas.

A alagoana Aline Bastos viveu essa experiência não apenas uma, mas duas vezes. Em um momento que deveria ser de pura emoção, havia uma barreira: a comunicação. Aline é surda, e a equipe médica simplesmente não sabia como falar com ela na hora do parto.

O que começou com o triste relato de uma mãe que não se sentiu presente no momento do nascimento dos filhos ganhou um novo significado. Graças às intérpretes de Libras do programa Parto Acessível, desenvolvido pela Secretaria de Estado da Cidadania e da Pessoa com Deficiência (Secdef), o nascimento de seu terceiro filho, Gael Luccas, trouxe emoção em dose dupla. Pela primeira vez, tanto o pai, que também é surdo, quanto a mãe, puderam se comunicar com a equipe médica e foram ouvidos durante todo o processo, tornando-se protagonistas.

“Na minha primeira gestação, eu falava com as médicas, tentava entender o que estava acontecendo, mas ninguém lembrava de mim. Na minha segunda gestação, com minha sogra ao meu lado, foi exatamente a mesma coisa. Eu me sentia angustiada, perdida, sem saber o que estava acontecendo com meu próprio corpo e com meu bebê.  Era como se eu não estivesse ali. Apesar de ser a mãe, a protagonista daquele momento, eu era ignorada simplesmente por ser surda. Foi muito difícil passar por dois partos sem acompanhamento adequado, sem alguém que pudesse me ajudar a entender cada passo daquele processo tão importante. Só agora, na minha terceira gestação, tive essa grande assistência dos intérpretes. Pela primeira vez, vivi um parto acessível, fui ouvida e respeitada. Antes, sempre existia essa barreira. Agora, finalmente, ela foi quebrada”, disse Aline.

Quem deu voz a Aline foi uma equipe de três intérpretes de Língua Brasileira de Sinais: Samara Carvalho, Patricia Lira e Jeniffer Kessia. Elas fazem parte da Central de Intérpretes de Libras (CIL), programa que disponibiliza profissionais fluentes em Libras para pessoas surdas que utilizam os serviços públicos. Fechada havia muitos anos, a CIL foi reaberta em 2023, e já registrou mais de 1.300 chamadas.

Atualmente, sete pessoas fazem parte da CIL, incluindo um surdo, que atua em conjunto com os intérpretes ouvintes, facilitando a comunicação entre pessoas surdas, principalmente aquelas com menor fluência na Libras. Além disso, a equipe da central tem capacidade de explicar expressões técnicas de forma precisa, garantindo que a mãe tenha total entendimento de termos médicos, por exemplo.

O Parto Acessível é uma iniciativa pioneira do Estado de Alagoas, e representa um marco na promoção da inclusão e da humanização do atendimento aos futuros pais e mães surdos. “Sabemos que a chegada de um filho é um momento único e especial na vida de qualquer família. No entanto, para pais e mães surdos, a falta de comunicação acessível durante o parto pode gerar sentimentos de insegurança, medo e até mesmo exclusão. Quando falamos de maternidade, estamos falando sobre direitos”, explicou a secretária de Estado da Cidadania e da Pessoa com Deficiência, Arabella Mendonça.

Ela conta ainda que o objetivo do programa é eliminar essa barreira, oferecendo um  intérprete de Libras para acompanhar o casal durante todo o processo, desde o pré-natal até o pós-parto. “Esse profissional capacitado garante que a comunicação entre a equipe médica e os pais seja fluida e eficiente, permitindo que eles participem ativamente de todas as decisões e etapas do parto. Acreditamos que a inclusão e a acessibilidade são direitos fundamentais de todos os cidadãos”, disse.

 

Comunicar-se é uma necessidade básica

Aline Bastos deu entrada no Hospital da Mulher no dia 13 de fevereiro, por volta das 8h30, acompanhada de Luan Silva, seu companheiro. Samara Carvalho, sua primeira intérprete, já estava no local, aguardando-a na recepção para auxiliá-la na internação na unidade. Ao chegar na triagem, Aline fez um exame de cardiotocografia – que permite escutar os batimentos cardíacos do bebê. Samara transmitia cada “tum tum” do coração de Gael através de Libras, gesticulando com o punho cerrado no peito e movimentos da boca.

A humanização, expressa em um simples gesto de mostrar a uma mãe surda que seu filho estava bem, chamou a atenção da equipe médica. Chriszelle Lima, enfermeira responsável pela triagem, não escondeu sua felicidade ao poder oferecer um atendimento digno e humanizado para Aline.

“Atendo aqui no HM há quatro anos e já presenciei alguns atendimentos de pessoas surdas. Situações como essa nos fazem refletir sobre quantas vezes já fomos impedidos de oferecer um serviço verdadeiramente respeitoso ou humano. Em nome da equipe, digo que essa experiência – de ter uma intérprete no momento da consulta – nos surpreendeu, e que vamos divulgar esse serviço para que outras mamães surdas também possam ter esse suporte em um momento tão especial”, se emociona Chriszelle.

 

Acessibilidade não é privilégio, é direito

O suporte da intérprete chamou a atenção não só da equipe médica, mas de outros pacientes que estiveram naquela manhã no Hospital da Mulher. No entanto, o que parecia um certo “luxo” ou “privilégio” para Aline e Luan era, na verdade, um direito garantido por lei. A Constituição Federal  de 1988, por meio do Artigo 227, §1º, II,  determina que o Estado deve garantir a inclusão e acessibilidade para pessoas com deficiência, incluindo aquelas com surdez.

Uma determinação importante, porque, segundo o IBGE, em 2020, Alagoas tinha mais de 140 mil pessoas surdas ou com deficiência aditiva. Isso significa que histórias como as de Aline não são raras.

“Enquanto continuarmos vendo a acessibilidade como um privilégio, e não como algo essencial, estaremos retrocedendo em muitas conquistas, lutas e desafios já superados. Por isso, precisamos continuar lutando para que os surdos tenham cada vez mais espaço e voz. Somos fundamentais em momentos como esse e em tantos outros. A comunidade surda, assim como nós que a acompanhamos, sonha com um futuro em que essas pessoas possam viver plenamente sem que minha presença seja essencial para garantir a comunicação. Mas, enquanto isso não acontece, seguimos quebrando barreiras”, explica a intérprete de libras da CIL, Samara Carvalho.

Além da Central de Intérprete de Libras, outras ações vêm sendo desenvolvidas para quebrar a barreira da comunicação e promover acessibilidade a todos. Entre elas está o Censo da Pessoa Com Deficiência (PcD), que vai levantar o maior número possível de informações e dados relativos às pessoas com deficiência em Alagoas, servindo como o norte para a promoção de políticas públicas. Alagoas foi o sexto estado do Brasil a aderir ao Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – o Novo Viver Sem Limite -, que prevê investimento de R$ 6,5 bilhões para garantir dignidade, promoção de direitos e ampliação do acesso das pessoas com deficiência à educação, à cultura e ao emprego.

 

Sobre a Central de Intérprete de Libras (CIL)

Para acionar o serviço da CIL é preciso agendar com antecedência. O acompanhamento pode ser presencial ou virtual. O interessado deve mandar e-mail para cil@secdef.al.gov.br ou fazer uma chamada de vídeo para o número (82) 98884-5403.

É possível também agendar presencialmente na CIL, que está funcionando na Escola de Conselhos, na Avenida Professor Santos Ferraz, 321, no bairro do Poço, em Maceió.

/Agência Alagoas

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