Caso Braskem: área de risco deve ser ampliada após estudos técnicos

Foto: Wanessa Oliveira

Por Wanessa Oliveira

Evidências levantadas a partir de dados oficiais demonstram que a subsidência causada pela mineração da Braskem tem avançado consideravelmente no Bom Parto, confirmando o relato de moradores que continuam no local. Uma permanência, aliás, vivenciada contra a própria vontade de parte significativa da comunidade, que ainda não teve a área inclusa como passível de realocação. Para tentar reverter esta condição, o defensor público do Estado, Ricardo Melro, tem interposto ações judiciais e acompanhado um estudo independente produzido por geocientistas do país e do exterior, que questiona a metodologia utilizada atualmente para definição das áreas de risco.

De acordo com o defensor, a necessidade de propor as ações partiu das inspeções realizadas diretamente nos imóveis, a pedido das vítimas. “O que vimos no território — com os nossos olhos — foi um contraste gritante em relação aos relatórios técnicos apresentados nos autos. O chamado “mundo real” não bate com o que está no papel. Encontramos danos severos: rachaduras profundas, estruturas comprometidas e, acima de tudo, um sofrimento humano imenso. A dor mental das pessoas, o medo constante de desabamento e a sensação de abandono tornaram evidente que era preciso romper com a lógica fria dos relatórios e produzir uma análise técnica com base na realidade vivida por quem está ali, todos os dias”.

O contraste entre os relatórios e a realidade do bairro também é reveladora, para Ricardo Melro , de uma relação de abandono provocada pela Braskem e por poderes públicos contra os moradores. “Nem mesmo as obras mínimas de manutenção são custeadas pela Braskem. As pessoas seguem expostas ao risco, com suas casas afundando, e os responsáveis fechando os olhos para uma realidade que salta aos olhos. É uma omissão institucionalizada — e inaceitável”.

Ações

A partir das inspeções e dos estudos independentes realizados a partir dos dados oficiais, a Defensoria Pública do Estado decidiu mobilizar uma série de ações judiciais que busquem a inclusão devida das vítimas.

“A primeira é específica para o bairro Bom Parto. Nela, pede-se que toda a área classificada como Criticidade 01 seja incluída como zona passível de realocação — com direito à indenização adequada — conforme permite o segundo aditivo ao acordo firmado no caso Braskem”, explicou.

Atentando para a resistência dos órgãos em oficializar dados existentes, Ricardo Melro menciona que a segunda Ação Civil Pública é voltada ao Serviço Geológico do Brasil (SGB/CPRM).

“Exigimos que ele cumpra sua obrigação legal de atualizar os estudos técnicos in loco. Trata-se, possivelmente, do mais grave desastre geológico urbano em curso no mundo — e, mesmo assim, o órgão se recusa a trabalhar no território. Isso é inadmissível”.
A ideia da ACP é que o Serviço Geológico do Brasil (SGB/CPRM) se manifeste sobre o estudo, no sentido de o reconheça oficialmente, inclusive tendo em vista que é elaborado com dados de interferometria da Defesa Civil.

Estudo independente questiona método de definição de áreas de risco

Um segundo estudo em andamento também vem chamado a atenção da Defensoria Pública do Estado. “É mais amplo e conduzido por pesquisadores altamente respeitados, brasileiros e europeus. A previsão é de que ele seja divulgado agora em julho e estamos articulando para trazer estes pesquisadores a Maceió para apresentar publicamente os resultados”, anuncia Melro.
O conteúdo final do estudo ainda não foi apresentado, mas já há informações relevantes que confrontam o método utilizado para as áreas de risco.

“Em algumas reuniões preliminares, ficou evidente que há sérios questionamentos à metodologia atualmente utilizada para definir as áreas de risco e realocação. A depender de seu teor, a Defensoria não hesitará em acionar a Justiça para buscar uma revisão do perímetro oficial de realocação. Nosso compromisso é com a verdade dos fatos e com a proteção efetiva das vítimas”, revela Melro.

O estudo em questão demonstra que, a partir de dados mais recentes a que os pesquisadores tiveram acesso, de dezembro de 2024, cerca de 80% da área monitorada apresenta sinais claros de afundamento. O estudo indica que se trata de velocidades verticais negativas, ou seja, o chão está – literalmente – descendo.

Para alcançar estas informações, os estudiosos solicitaram dados obtidos pela Defesa Civil Municipal – responsável pela fiscalização e monitoramento da subsidência – por meio de satélite. Nesse sentido, foi utilizada a mesma tecnologia de radar interferométrico, que mede as variações milimétricas no solo. Os pesquisadores também relatam terem sido usados os mesmos critérios técnicos da Defesa Civil.

Procurado pela Mídia Caeté para “traduzir” parte do estudo em questão, o geógrafo alagoano membro do NEXUS AID ONU Subsidência – e Doutorando em Desastres no Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais – Thyago Anthony, detalha o que foi constatado a partir do levantamento dos pesquisadores.

Estudo de geocientistas brasileiros expõe área com movimentação de alta velocidade vertical e horizontal, que não foi inclusa em mapa de criticidade.

“Um dos mapas, por exemplo, mostra os pontos do Bom Parto onde o solo afundou mais de 5 milímetros por ano. Em alguns locais, esse valor chega a ultrapassar 20 ou até 50 mm/ano, o que é extremamente preocupante. E veja: esses pontos estão fora da zona oficialmente reconhecida como crítica, mesmo estando com velocidades acima de 5 milímetros, 4 vezes ou até 10 vezes, que é o critério adotado pela defesa civil”, esclarece.

Além do mais, segundo o geógrafo, o mapa mostra que as áreas de instabilidade avançam para fora dos limites oficiais, principalmente na em direção à orla da Lagoa Mundaú. “E não se trata de um ou outro ponto isolado — são centenas de pontos (pixels), ou seja, um padrão contínuo de deformação, esses pontos foram contabilizados, nesta área, e apontou que 80% desses pontos possuem afundamentos superiores à 5 mm”

 

Geógrafo Thyago Antony: cada pixel nos mapas representa uma pequena área do solo monitorada por satélite; quanto mais escuro o tom, maior o movimento detectado — seja afundamento (vertical) ou tração lateral (horizontal).

Neste sentido, os estudos também indicam que o movimento não se restringe a um afundamento de solo, mas também a um deslocamento em direção ao complexo lagunar. Esse deslizamento acontece tanto no lado incluso no mapa de criticidade, como ainda num outro lado não incluso – mesmo em situação similar

“Esse movimento horizontal é mais intenso na porção noroeste do bairro, que já está no mapa de criticidade, e na porção sudoeste, que ainda não foi incluída, apesar de apresentar o mesmo comportamento deformacional, tanto vertical quanto horizontalmente. Ambas pertencem ao mesmo bloco geológico, geomorfológico e pedológico, com as mesmas características superficiais e subterrâneas — uma unidade contínua e tecnicamente indivisível. E é justamente esse bloco que se move em direção à Lagoa Mundaú, onde estavam localizadas as antigas minas de sal-gema”.

Para quem vive dentro de uma casa cujo solo afunda e desliza, o aumento das rachaduras é a manifestação mais evidente de que o afundamento segue em curso. Entretanto, há mais problemas apontados:

“Quando o solo se move, ele coloca em perigo não apenas a fundação das casas, mas também a infraestrutura urbana, redes de água, esgoto, eletricidade. O fato de a área não estar na zona de evacuação não significa que esteja segura. Os dados dizem o contrário, os danos dizem ao contrário, os fatos convergem com análise”, avalia o pesquisador.

Falsa sensação de estabilidade

Afinal, quais os principais estudos sobre a situação do afundamento de solo em Maceió, provocado pela mineração da Braskem, e onde estão essas contradições em relação à criticidade?

O geógrafo Thyago Anthony explica que os mapas de risco oficiais se baseiam principalmente em dados de interferometria por satélite, inspeções de campo e relatórios técnicos elaborados por instituições como a Defesa Civil de Maceió. Outras instituições de pesquisa também podem requerer dados oficiais e realizar análises independentes, seguindo critérios de rigor científico e transparência.

Justiça Federal agenda inspeção no bairro Bom Parto após pedido da Defensoria Pública (foto: Assessoria)

Foi nesse sentido que estudos independentes tomaram fôlego, nos últimos meses, trazendo algumas diferenças em suas análises em relação ao que tem sido difundido pela Defesa Civil de Maceió. Um exemplo evidente destas contradições entre os estudos é a exclusão de partes do bairro Bom Parto, que possuem deformações verticais e deslocamentos laterais.

“Estudos externos, usando as mesmas tecnologias de satélite, mostram que o solo continua se movendo em zonas fora dos limites oficialmente reconhecidos como críticas”, explica o Anthony.

“Essas divergências parecem decorrer, em parte, de diferenças metodológicas na interpretação dos dados e da necessidade contínua de atualização dos critérios técnicos utilizados. Diante da dinâmica ainda ativa observada em algumas áreas, seria desejável que houvesse uma revisão técnica periódica, com base nos dados mais recentes disponíveis e, se possível, com a colaboração de instituições externas e independentes, de preferência ligadas às vítimas , a fim de fortalecer a legitimidade do processo e assegurar que nenhuma área potencialmente vulnerável fique fora das medidas de proteção por conta de definições estabelecidas em momentos anteriores.”
Para além dos aspectos mais burocráticos, administrativos – ou mesmo políticos – o aspecto técnico também é considerado com mais atenção.

“Esses mapas se baseiam apenas na velocidade de deformação em um dado momento, como uma espécie de ‘fotografia’ daquele mês. Isso não capta o histórico completo do que já aconteceu com o solo ao longo dos anos. É o uso dos dados acumulados que mostram o quanto o solo se deslocou no total, ao longo de todo o período monitorado — de 2019 a 2024, por exemplo. Enquanto a velocidade informa ‘o quão rápido o solo está se movendo agora’, o dado acumulado mostra ‘quanto ele já se moveu até aqui’. É como comparar a velocidade de um carro com a distância total percorrida: ambos são importantes, mas dizem coisas diferentes”, explica.

É neste sentido que o pesquisador alerta o quanto ignorar o acumulado pode dar uma falsa sensação de estabilidade. “Um bairro pode estar afundando lentamente hoje, mas já ter acumulado 30, 50 ou até 100 milímetros de subsidência nos últimos anos. E isso, para a estrutura de um imóvel, é significativo, sobretudo, se a mesma for de alvenaria singela, ou aglomerado subnormal”.

O Ministério Público Federal informou que, conforme já havia divulgado, uma Ação Civil Pública provocada pelo órgão culminou na decisão judicial para a vinda de uma equipe do Serviço Geológico Brasileiro (SGB) a Maceió, para realização de inspeção in loco. Na publicação do MPF, entretanto, é reforçado que “a ação judicial não busca ampliar o mapa de risco, mas sim assegurar os direitos dos moradores já identificados em área de alto risco do Mapa V5”.

Já a Defesa Civil Municipal de Maceió emitiu uma nota, informando que mantém o monitoramento na região, e, sem debruçar sobre os questionamentos levantados, restringiu-se a informar que é “o único órgão com autonomia legal para realizar estudos e tomar decisões em relação ao Mapa de Linhas de Ações Prioritárias”.

Leia abaixo a nota completa:

A Defesa Civil de Maceió informa que monitora a toda a região, não somente a área de monitoramento em relação ao processo de subsidência, mas também todo o bairro, por ser uma área de risco suscetível a inundação e a patologias provocadas pela proximidade das residências com a Laguna Mundaú.

O órgão atende os chamados da população no local e nos casos mais graves realiza os encaminhamentos necessários de acordo com o perfil de cada família.

A Defesa Civil de Maceió é o único órgão com autonomia legal para realizar os estudos e tomar decisões em relação ao Mapa de Linhas de Ações Prioritárias. O monitoramento é realizado por técnicos do órgão, pelo Comitê de Acompanhamento Técnico e todas as decisões são chanceladas pela Defesa Civil Nacional e pelo Serviço Geológico do Brasil. Até o momento não houve indícios que levem à necessidade de ampliação do Mapa.

A despeito da referência feita pela Defesa Civil às outras situações de risco causadas por “patologias provocadas pela proximidade das residências com a Laguna Mundaú”, o geógrafo Thiago Anthony alerta para o quanto a gravidade da subsidência se soma aos outros fatores, requerendo um monitoramento específico.

“A área em questão, por apresentar velocidades verticais de subsidência significativamente elevadas, tende, com o tempo, a ficar abaixo do nível da Lagoa Mundaú, tornando-se uma zona suscetível a inundações permanentes ou recorrentes. Isso não apenas agrava o risco geotécnico-estrutural, mas introduz um novo conjunto de ameaças hidrossanitárias, como a leptospirose, contaminação hídrica, viroses hídricas , diarreia , cólera , além de obviamente alagamentos prolongados e colapsos de estruturas urbanas”, explica.

O especialista também aponta algumas distinções em relação a áreas similares que não possuem subsidência. “Embora se trate de uma área de aterro historicamente conhecida, o comportamento dinâmico do solo nela registrado não se compara ao de mangues, pradarias ou outras zonas úmidas urbanas, nem mesmo a outros aterros da própria cidade. As velocidades de subsidência detectadas são, em média, até três vezes superiores às observadas em áreas similares de Maceió, e cinco vezes maiores do que em regiões como o Rio Novo, considerado geotécnica e historicamente vulnerável”, destacou.

“Quando ampliamos a comparação para áreas com características geológicas e urbanas semelhantes – algo que pude identificar em meio a 75 subsidências no Brasil que mapeei e analisei- como Várzea, Cordeiro, Prado, Bongi e Caxangá, observa-se que a área aqui analisada apresenta velocidades duas a três vezes maiores, o que evidencia um comportamento anômalo e preocupante do ponto de vista da estabilidade urbana. Esses valores não se inserem em padrões esperados para aterros urbanos convencionais, reforçando a necessidade de medidas específicas de contenção, vigilância e, sobretudo, reconhecimento formal da criticidade do setor”, defende.

/Mídia Caeté

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