Na tarde desta segunda-feira (24), o Ministério Público Federal (MPF) realizou reunião com a participação da Defensoria Pública da União (DPU) e do Governo de Alagoas, para discutir o acordo judicial que prevê a construção do novo complexo de saúde mental do Estado. O equipamento substituirá o Hospital Escola Portugal Ramalho (HEPR), cuja estrutura foi comprometida pela subsidência causada pela atividade de extração de salgema pela Braskem em Maceió.
Durante o encontro, o Estado apresentou proposta de alteração do local previamente definido para a obra, fundamentada em um acordo global firmado entre Estado e Braskem, mas que ainda não foi homologado pela Justiça. Esse acordo global rediscute o conteúdo de cláusulas essenciais do acordo já homologado judicialmente e atualmente em fase de execução, que estabeleceu como premissa central que a Braskem deve construir e entregar o novo complexo de saúde mental, assumindo integralmente a obrigação de fazer — independentemente de variações de custo da construção civil.
A proposta apresentada, no entanto, modifica a lógica do acordo homologado, ao prever que a responsabilidade pela construção passaria ao Estado, que teria de licitar, executar e arcar diretamente com eventuais reajustes e acréscimos de obra. Para o MPF e a DPU, essa modificação pode causar prejuízo ao erário, agravar os danos aos usuários do serviço, aos trabalhadores da unidade e ao interesse público, além de gerar uma quebra da segurança jurídica da solução construída ao longo de anos e já em fase de execução judicial. Por isso, a proposta foi rejeitada pelas instituições.
Essa condição está expressa na Cláusula 2.1, segundo a qual a Braskem indenizará o Estado “mediante a entrega do Imóvel Definitivo”, incluindo obrigatoriamente a construção da nova edificação.
Ainda conforme o acordo, a Cláusula 2.3 determina que a indenização se dará por:
(i) obrigação de pagar os valores necessários à desapropriação do terreno; e
(ii) obrigação de fazer, consistente na construção da edificação pela Braskem.
Ou seja, o pacto não previu repasse de verba para o Estado executar a obra, mas sim a entrega do hospital pronto pela empresa — exatamente como solicitado pelo MPF e pela DPU na ação civil pública. O pedido da ACP foi pela reconstrução do equipamento pela Braskem, e não pelo pagamento de indenização. Assim, modificar esse modelo violaria a própria lógica do acordo homologado.
Além do mais, não houve nenhuma sinalização técnica da atual gestão do hospital e também da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (Uncisal) com eventual concordância sobre essa mudança proposta, só agora, pelo Estado de Alagoas.
Mudança de local
O defensor regional de direitos humanos da DPU, Diego Alves, enfatizou que a discussão está em fase de execução judicial, após mais de quatro anos de tratativas, laudos técnicos e negociações intensas. Para ele, a proposta estadual representa um retrocesso e recoloca o caso em estágio anterior, sem que haja definição sequer do novo terreno. “Não se trata de uma mudança simples. Já superamos todos os debates sobre adequação às normas. O projeto atual atende aos parâmetros antimanicomiais e foi aprovado pelos órgãos técnicos do próprio Estado. Estamos diante de uma proposta que não tem local definido e que desmonta avanços obtidos desde 2021”, afirmou.
Pelo MPF, a procuradora da República Niedja Kaspary ressaltou que a escolha do terreno — situada no bairro do Jaraguá — foi feita pelos próprios órgãos técnicos estaduais (Uncisal, Sesau e PGE), a partir de múltiplos parâmetros ligados à mobilidade, acessibilidade familiar e integração com a rede de atenção psicossocial. Ela lembrou que todos os equipamentos psiquiátricos de Maceió estavam localizados exatamente na área afetada pelo afundamento e que, desde o início, o objetivo de MPF e DPU sempre foi garantir um hospital moderno, seguro e alinhado às diretrizes do CNJ, sem transformar o processo em um ônus financeiro para o Estado.
“As negociações foram longas. O Hospital do Sanatório já está pronto, e o Portugal Ramalho sequer possui as licenças expedidas. Ver surgir, neste momento, uma proposta de alteração de local é lamentável. Sempre defendemos que a empresa entregasse o equipamento pronto, pois obras públicas tendem a iniciar com um valor e terminar com outro muito maior. Cada avanço tem sido seguido de dois retrocessos”, disse.
Local escolhido
As Cláusulas i, j e 3.7.1 do acordo já homologado deixam claro que:
- o terreno da Rua Doutor Zeferino Rodrigues, 367, Jaraguá foi escolhido pelo Estado e pela UNCISAL,
- após avaliação técnica da SEPLAG, datada de 14/10/2022,
- declarado de utilidade pública pelo Decreto nº 96.791/2024,
- e reconhecido oficialmente como “adequado, propício e suficiente” para a realocação do HEPR.
A Cláusula 3.7.1 afirma que o Estado reconhece, de maneira expressa, que o terreno é “o mais adequado para atendimento ao interesse público”.
Portanto, alterar esse ponto agora significa modificar cláusulas essenciais do acordo, que somente poderiam ser revistas com anuência de todas as partes — o que não existe — e nova apreciação judicial. Além disso, tal alteração colocaria o processo “de volta ao estado anterior”, restabelecendo o litígio sobre a obrigação da Braskem de construir o hospital.
Pagamento da desapropriação
MPF e DPU alertam que a Braskem já foi formalmente notificada pelo Estado para realizar o depósito referente ao valor da desapropriação do terreno — etapa prevista no acordo como condição para início da obra. O prazo para esse pagamento está na iminência de encerrar, e eventual não cumprimento configurará descumprimento contratual.
Na manhã desta terça-feira, dia 25, MPF e DPU apresentaram requerimento ao juízo federal para que a Braskem seja intimada a comprovar o depósito dos valores em conta do Estado de Alagoas para pagamento da desapropriação do terreno, conforme cláusula 2.3, item I, do acordo judicial para construção do novo complexo de saúde mental do estado.
Qualquer tentativa de modificar o local neste momento, portanto, compromete diretamente o cumprimento dessas obrigações, gerando insegurança jurídica e atraso ainda maior na entrega do equipamento.
Representantes do Governo do Estado afirmaram que a proposta não altera o projeto arquitetônico aprovado, apenas o terreno, e que poderia gerar economia de recursos públicos. Informaram também que ainda não há área definida, mas que alternativas serão apresentadas.
Entenda
Desde 2021, MPF, DPU e Ministério Público do Estado de Alagoas acompanham a situação estrutural crítica do Hospital Escola Portugal Ramalho. As instituições buscaram diagnósticos técnicos, solicitaram laudos, intensificaram negociações com a Braskem e cobraram urgência do Estado.
Em 2023, reforçaram a necessidade de um novo complexo de saúde mental com 160 leitos e infraestrutura moderna, adequado às diretrizes contemporâneas da política de saúde mental. Em dezembro de 2024, após ação civil pública ajuizada pelo MPF e pela DPU, o acordo para a construção da nova unidade foi homologado pela Justiça Federal.
O novo equipamento funcionará com internações breves e integradas à Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), seguindo os parâmetros antimanicomiais do Conselho Nacional de Justiça. Laudos do Conselho Federal de Medicina confirmaram a inviabilidade técnica e insalubridade da atual estrutura do Hospital Portugal Ramalho, acelerando a necessidade de mudança.
Para o MPF e a DPU, qualquer nova interrupção ou alteração do projeto significa um grave prejuízo à política pública de saúde mental em Alagoas e impacta diretamente usuários do SUS que dependem do atendimento psiquiátrico especializado.
/Ascom MPF
