O site de notícias The Intercept Brasil, em reportagem publicada segunda-feira (30/9), revela o mapa da corrupção no Judiciário brasileiro. Segundo o levantamento, Alagoas é um dos estados onde há ocorrência ou indícios de venda de sentenças. Há casos em nove tribunais estaduais e três tribunais federais. Os magistrados são investigados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A publicação revela que em São Francisco do Conde, na região metropolitana de Salvador, uma decisão judicial para livrar um político de uma acusação de corrupção sai por R$ 400 mil. Em Xinguara, no Pará, um habeas corpus para um acusado de assassinato, por R$ 70 mil. Na pequena Ceará-Mirim, no interior do Rio Grande do Norte, o valor é bem mais modesto. Por apenas R$ 750 (setecentos e cinquenta reais) era possível comprar uma liminar.
Extorsão, suborno, pagamento de aluguel e cargo para namorada do filho
A sentença mais cara, de acordo com a matéria, foi cobrada pelo desembargador Rubem Dário Peregrino Cunha, do Tribunal de Justiça da Bahia, valor: R$ 400 mil.
Em 2007, o então prefeito de São Francisco do Conde, Antônio Pascoal Batista, do PDT, recorreu ao desembargador para ajudá-lo a se livrar de uma acusação de corrupção. Ele havia sido denunciado pelo Ministério Público do estado por roubar cerca de R$ 1,5 milhão dos cofres da prefeitura e corria o risco de perder o cargo e ser preso. O processo foi parar no gabinete do desembargador Cunha, que, além do dinheiro, ainda pediu um cargo para a namorada do filho.
Depois de pagar cerca de R$ 300 mil em parcelas, o ex-prefeito enviou um funcionário da prefeitura com um gravador a um encontro com o filho do desembargador, o advogado Nizan Gomes Cunha Neto, que fazia a ponte entre eles. O servidor gravou a conversa com o advogado na hora em que entregava mais uma parcela de R$ 50 mil pela sentença. Foi o próprio ex-prefeito, de acordo com o processo no CNJ, que decidiu denunciar o desembargador ao MPF, alegando que se sentiu coagido pela cobrança de um valor tão alto. O prefeito morreu em 2015, após uma cirurgia de câncer de próstata. O desembargador Cunha foi “condenado” em 2012 e se aposentou.
Em Ceará-Mirim o negócio era no varejo, e o juiz José Dantas de Lira se contentava em receber R$ 750 por liminar – valor ainda dividido com outras cinco pessoas. No esquema, descoberto em 2007, o grupo formado por Lira, o filho dele, um amigo advogado, um funcionário do tribunal e dois corretores de empresas de empréstimo, ganhava um “extra” com uma espécie de consórcio de decisões. A margem era pequena, mas eles lucravam na quantidade de liminares, que saíam entre R$ 750 e R$ 1,8 mil cada. O Ministério Público do Rio Grande do Norte descobriu que foram movimentados mais de R$ 3 milhões na conta de um dos envolvidos no esquema.
Cabe aos corregedores dos tribunais fiscalizar a garantir o trabalho dos outros magistrados. No entanto, a reportagem encontrou dois deles envolvidos no “mercado de sentenças”.
O ex-corregedor do Tribunal de Justiça do Amazonas, que chegou a ser presidente interino da Corte. Jovaldo dos Santos Aguiar, foi afastado após ser denunciado por um empresário e advogado que pagou, mas não recebeu a decisão negociada. Aguiar, primeiro corregedor a ser investigado pelo CNJ, foi aposentado compulsoriamente em 2010.
Já o desembargador Antônio Fernando Guimarães, do TRT de Minas Gerais, não viu problema em deixar que um escritório de advocacia “subsidiasse” o aluguel de seu apartamento. Guimarães, que também foi vice-presidente do TRT, passou dez anos pagando a bagatela de R$ 200 reais por um apartamento de luxo em Lourdes, um dos bairros mais caros de Belo Horizonte. Os 380 metros quadrados em que o desembargador morou entre 2001 e 2011, hoje, não sairiam por menos de R$ 8 mil por mês, em média. Em troca, o escritório Vilhena&Vilhena tinha a segurança de contar com a mão amiga do magistrado.
Saldo da corrupção
A jornalista Nayara Felizardo, que assina a matéria, disse que chegou a uma lista com 140 processos administrativos disciplinares instaurados pelo CNJ desde a sua criação, em 2005. Mais de um terço deles está relacionado a algum tipo de corrupção e exatos 21 tratam da tal venda de sentenças, envolvendo 7 juízes e 14 desembargadores.
Dos 21 que constam no levantamento, 11 foram obrigados pelo Conselho a se aposentar. Contudo, a medida está longe de ser uma punição de fato. Só em junho deste ano, o desembargador Cunha, aquele que vendeu uma sentença por R$ 400 mil, recebeu brutos R$ 45,7 mil como membro inativo do Tribunal de Justiça da Bahia; já o juiz José de Lira, que trocava liminares por meros R$ 750 no Ceará, ganha cerca de R$ 30 mil brutos por mês, o triplo do que recebia há 12 anos quando era juiz da comarca de Ceará-Mirim; o desembargador Antônio Guimarães, do TRT mineiro, vive com R$ 37 mil brutos mensais mesmo depois de ter sido descoberto que um escritório de advocacia pagava seu aluguel; o juiz José Pereira, do Pará, após ser condenado por cobrar R$ 70 mil por um habeas corpus, ganha quase R$ 25 mil por mês. O ex-corregedor Jovaldo Aguiar é quem tem o rendimento “mais humilde” – R$ 13 mil por mês de aposentadoria da justiça do Amazonas, mesmo depois de ter dado um calote em um advogado que havia comprado uma decisão a ele. Em média, os juízes e desembargadores investigados pelo CNJ por venda de sentenças recebem R$ 32 mil por mês de aposentadoria.