Leonardo Ferreira – Jornal Folha de Alagoas
O caso da menina de 10 anos de idade do Espírito Santo que ficou grávida após anos sendo vítima de estupro comoveu o país. Em Alagoas, o estupro seguido de assassinato da menina Beatriz, 6 anos, na cidade de Maravilha, no Sertão, também revoltou os alagoanos. Esses cenários, no entanto, apesar de absurdos, são mais comuns do que se pode pensar.
A Rede de Atenção às Vítimas de Violência Sexual (RAVVS), criada pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesau) em 2018, divulgou que, entre janeiro e julho de 2020, atendeu 266 crianças e adolescentes vítimas de agressões sexuais em Alagoas. No total, o número equivale a 80% dos casos atendidos pela rede, que foi de 332 alagoanos, sendo 295 pessoas do sexo feminino e 37 do masculino.
A coordenadora e psicóloga da RAVVS, Camile Wanderley, em entrevista à Folha de Alagoas, contou que, na pandemia, com o isolamento social, houve até uma queda no número de procuras a rede em março e abril, mas de junho a primeira quinzena de agosto, com a reabertura, as denúncias de crianças abusadas dispararam. Para ela, o confinamento e a distância da escola foram fatores determinantes.
“Com o afastamento dessas crianças da escola, elas ficam confinadas, muitas vezes com o agressor, porque o perfil do agressor é normalmente alguém que está dentro de casa ou próxima a ela, pai, tio, parente, vizinho, então essas crianças estão mais vulneráveis nesse período de isolamento. Porque elas não estão conseguindo sair para sua segunda rede apoio, a escola”, disse.
No Brasil, quatro abusos sexuais contra menores de até 13 anos de idade são registrados por hora, segundo o último Anuário de Segurança Pública. No mesmo balanço, foi relatado que 63,8% das vítimas estupradas são pessoas em condições vulneráveis, menores de idade ou com alguma deficiência.
O agravante desse contexto e que dificulta as denúncias, é que, além da imaturidade natural das crianças, mais de 75% dos abusos sexuais contra menores são cometidos por familiares ou pessoas que convivem diariamente com as vítimas. Por exemplo, de acordo com as investigações iniciais, o provável autor da barbárie contra Beatriz foi o vizinho e amigo da família. Da mesma forma no caso da menina de 10 anos grávida, cujo principal suspeito, preso recentemente, é tio da vítima.
Segundo Camile, a educação primária é fundamental no enfrentamento do problema. “A gente precisa educar a criança desde cedo sobre o próprio corpo, é o que chamamos de educação sexual. Mostrar para criança que no corpo dela ninguém pode estar mexendo. Sempre estabelecer uma relação de abertura e comunicação, para que elas possam contar para os pais ou para aquela pessoa de referência o que está acontecendo sem medo.”
Ademais, segundo dezenas de fontes de pesquisas sobre a temática, a maioria dos casos de estupro, principalmente envolvendo crianças, não chega a conhecimento da polícia ou autoridades, logo não são notificados e registrados para dados oficiais. Ou seja, os crimes dessa natureza são um dos mais subnotificados do Brasil.
Em um país que registra, em média, seis internações diárias por aborto entre meninas estupradas com idade de 10 a 14 anos, alavancar estratégias de proteção a crianças e adolescentes é o desafio, de acordo com a coordenadora.
“Na verdade, temos uma legislação que precisa toda ser reavaliada, desde a pena ao agressor, até o tratamento ao próprio agressor. Além disso, o trâmite da denúncia até a finalização da prisão do agressor passa por várias instâncias. Então, essa rede toda tem que ser melhor preparada, seja no poder executivo, judiciário, secretaria de saúde, da educação, de assistência, nas delegacias”, completou Camile.