RIO — A abstenção de 2,84 milhões de candidatos do Enem 2020, número que representa pouco mais da metade (51,5%) dos inscritos, gera um desperdício de R$ 332,5 milhões aos cofres públicos. Isso porque o custo da prova, neste ano, é de R$ 117 por aluno.
Esse valor desperdiçado é quase o dobro de tudo o que foi gasto em 2020 com a Bolsa Permanência, programa de auxílio a alunos de baixa renda em universidades públicas. No ano inteiro, foram empenhados R$ 180 milhões neste subsídio.
O cálculo é o mesmo utilizado pelo Ministério da Educação nos últimos anos para divulgar o desperdício de verba causado por alunos que se inscreveram, mas não compareceram à prova. Ele pega o total gasto na prova (neste ano, R$ 682 milhões) e divide pelo número de candidatos (5,783 milhões de inscritos). Assim, o custo por aluno da prova por aluno em 2020 é de R$ 117. Esse valor vezes o número dos que não foram ao exame (2.842.332) dá o total do desperdício: R$ 332,5 milhões.
‘Se tivessem adiado para uma data mais segura, teria feito’
Segundo especialistas, em 2020, a taxa de abstenção recorde se deu em função da data do exame, que ocorre em um momento de alta de contaminação de Covid-19. O Ministério da Educação se recusou a adiar a prova pela segunda vez (originalmente o exame ocorre em outubro).
A mudança era um pedido de estudantes (em enquete realizada pelo Inep, em março de 2020, eles pediram o adiamento para maio) e de 47 entidades científicas, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva.
— Teria que pegar ônibus cheio para chegar até o local de prova e também vi que eles não iam reduzir a quantidade de alunos por salas. Moro com a minha mãe que já tem idade. Não queria esse risco, e faltei — conta Yasmin Cardoso, de 19 anos. — Se tivessem adiado para uma data mais segura, teria feito.
Na avaliação de Miguel Rugento, especialista em educação e políticas públicas da PUC-Rio, a manutenção da data também privilegiou ainda mais os alunos com melhores condições financeiras.
— Esses tiveram um ano letivo, ainda que remoto, enquanto sabemos que muitos estudantes de escolas públicas não tiveram o mesmo privilégio. A alta abstenção mostra que a decisão do governo foi equivocada, e as desigualdades educacionais vão ser alargadas. E o risco de contágio existiu — afirma.
Na avaliação dele, seria “prudente ter feito um planejamento, aberto diálogo com a comunidade, para achar um equilíbrio nessa equação”.
— No cenário que temos, é natural que haja perdas, mas sem o diálogo, essas perdas se tornam maiores, e o MEC é responsável por essa articulação — explica.
A Defensoria Pública da União protocolou na tarde desta segunda-feira um pedido para que a segunda prova do Enem 2020, marcada para o próximo domingo (24), seja adiada. Na ação, também requisita que todos os candidatos que faltaram a primeira possam realizar o exame em outra data.
A petição argumenta que há novos fatos trazidos com a realização da primeira prova que justificam o novo pedido. Segundo a DPU, ficou “cabalmente demonstrado ontem, durante a aplicação da primeira prova do Enem” que os réus não “respeitaram o percentual de ocupação de salas com que tinham se comprometido, tendo induzido esse Juízo a erro”.
O Inep argumentou que apenas 50% da capacidade das salas seriam preenchidas. No entanto, alguns candidatos foram comunicados por fiscais nos locais de prova que as salas estavam com “lotação máxima” e não puderam realizar o exame.
De acordo com o defensor público da União João Paulo Dorini, autor da ação, os alunos que não puderam realizar a prova porque estavam em salas superlotadas ainda têm direito de pedir indenização.
— Essas pessoas não podem ser prejudicadas. O Inep havia garantido que havia segurança para todo mundo, quando na verdade não havia — afirma.
OGlobo