Qualquer que seja o caminho percorrido entre a ocorrência de um fato e sua divulgação nos meios de comunicação, as notícias produzidas sobre ele são construídas sob determinada visão crítica. Como diz o adágio popular: “quem conta um conto, aumenta um ponto”.
Não existe, portanto, neutralidade no jornalismo, pois seus agentes não estão imunes aos fatos e se relacionam com eles de acordo com suas convicções pessoais e ideológicas. E não é ruim que seja assim, já que neutralidade, nesse caso, poderia representar indiferença, insensibilidade ou frieza, o que não é desejável ao jornalismo. Mas qual seria o limite da autonomia interpretativa do jornalista?
Ao contrário da neutralidade, a imparcialidade é um valor ético que deve ser perseguido pelos jornalistas, do mesmo modo como é buscado pelos magistrados, muito embora ambos os profissionais, na prática, tenham dificuldade em alcançá-lo. O jornalismo como ideal, assim sendo, teria um ponto de equilíbrio entre a imparcialidade e a autonomia interpretativa, não permitindo que motivações pessoais e político-ideológicas ofuscassem a fidedignidade das informações.
Também é sabido que o Jornalismo tem como compromisso a averiguação dos fatos na busca pela verdade, cumprindo sempre um código de princípios e valores relacionados ao dever de bem informar. Esse compromisso seria o balizador do limite interpretativo do jornalista. Mas na prática nem sempre o exercício dessa profissão funciona assim. A militância política está presente nas atividades jornalísticas, do mesmo modo que está em todas as outras profissões e, quando isso ocorre, a defesa de ideais muitas vezes se sobrepõe à verdade.
Essa ampla liberdade de expressão, mesmo quando tendenciosa, encontra amparo na livre manifestação do pensamento, mas se depara com um limite: a prática de ilícitos. Se a livre expressão se enveredar por essa via, qualquer pessoa, seja quem for, se sujeitará à responsabilidade civil e criminal. E o Judiciário é a instância para verificação dessa responsabilidade sobre eventuais danos causados. Mas nem sempre é assim.
Sob o pretexto de coibir “discursos de ódio” e “fake news”, as Big Techs, grandes empresas de tecnologia que dominam o mercado, vêm aplicando esses rótulos ao seu bel prazer, apagando postagens, suspendendo temporariamente usuários, muitos dos quais jornalistas, e até mesmo excluindo contas. E quando fazem isso, não justificam seus atos e não permitem o direito ao contraditório. Mas quem delegou tamanho poder a essas empresas?
Pode até ser que as Big Techs estejam adotando práticas dentro das normas contratuais que estabeleceram e foram aceitas por seus usuários, mas é incontestável que a liberdade de imprensa encontra limites apenas na própria Constituição. Quem foi que disse que essas empresas podem regular condutas, ainda que sob a intenção de impedir atentados contra os direitos humanos, riscos físicos, financeiros, à saúde, segurança, ordem pública, dentre outros? Elas podem traçar limites para a liberdade de expressão em suas plataformas? Ou será que esse papel caberia apenas ao Poder Público?
Agora pense na contradição. É aceitável que essas empresas, que já praticaram até mesmo a coleta clandestina de informações de seus usuários, violando a privacidade e a intimidade, direcionando propagandas e induzindo compras, possam também decidir o que podemos ver ou não nas redes sociais? É obvio que não.
Essas exclusões permanentes violam a liberdade de expressão, merecendo ser classificadas como censura. Esse agir, quando afeta jornalistas e veículos de imprensa, está também incorrendo na inobservância do tratamento privilegiado dado pela Constituição Federal aos meios de comunicação e à liberdade de imprensa, que assegura a livre manifestação do pensamento, a livre informação jornalística e a vedação de censura de natureza política, ideológica e artística.
Por todas essas questões, mais de 50 Projetos de Lei tramitam na Câmara do Deputados visando combater, reduzir e criminalizar notícias falsas e outras questões relacionadas à liberdade de informação. O Projeto de Lei 2630/20, por exemplo, foi aprovado pelo Senado Federal no último dia 30/06/2021 e além de medidas reguladoras e sanções, cria o Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet, órgão responsável por estabelecer o código de conduta e fiscalização de empresas que atuam no setor. Do mesmo modo, será criada uma instituição autorreguladora formadas pelas empresas de redes sociais e serviços de mensagens voltada para a transparência e responsabilidade no uso da internet. O Projeto vai agora para a Câmara dos Deputados e, se aprovado, segue para sanção presidencial.
Mas além de questões relacionadas ao regramento do setor privado, cabe lembrar que no âmbito público também enfrentamos problemas. Não se pode esquecer que a suspensão de contas, mesmo quando determinadas pelo Supremo Tribunal Federal, é um controle precedente em relação a novas publicações e como tal viola a liberdade de expressão e de manifestações futuras que sequer foram produzidas. Se tais medidas são adotadas aprioristicamente, esse controle tem um nome: CENSURA.
Isso sem falar que quando atua no controle e combate ao que classifica como fakes news, o Supremo Tribunal Federal tem se utilizado de caminhos duvidosos, como os recentes inquéritos e prisões em flagrante, cuja legalidade dividiu especialistas da área jurídica. Não se faz aqui apologia à impunidade, mas uma crítica a via eleita para essas averiguações, cuja condução, principalmente em causa própria pelos supostos vitimados, compromete a imparcialidade e a preservação de direitos fundamentais dos investigados.
Também não se argumenta a favor daqueles que têm praticado crimes e disseminado desinformação pela internet, mas sim em defesa de cidadãos que tem suas opiniões contundentes qualificadas como antidemocráticas simplesmente por contrariarem interesses pessoais, institucionais e políticos. Esse questionamento é posto aqui porque a injustiça praticada contra um cidadão pode ser potencialmente praticada contra todos os outros.
Diante de todo esse cenário, é importante afirmar que embora a liberdade de imprensa, de informação e de expressão não sejam direitos absolutos, eles jamais deveriam sofrer censura prévia, devendo ser reprimidos quando efetivamente violarem outros direitos. A internet, por sua vez, não é terra sem lei, mas precisa ser cada vez mais normatizada. E a imparcialidade, como essência do profissionalismo, deve estar presente tanto nos artigos e notícias, quanto nas decisões judiciais, já que tão desprezíveis quanto jornalistas vendidos são magistrados comprados.