ensaiar no poema uma fotografia
praticar entre linhas
camadas
sentenciar as pausas
o enlace de pálpebras nos diz:
este rosto é uma espécie de não dito
ensaiar no poema resquícios de uma corrida de cavalos
em primeiro lugar a palavra sombra
teus olhos refletidos me avisam um futuro amargo
um plano para esboçar fotografias jovens
engolir cada imagem ultrapassada
fazê-las num movimento seguir seu prumo
costurar nas linhas verticais a palavra sal
cavalgar não significa nada
quero antes descer uma longa escadaria
e
voltar em seguida sem arrependimentos
esperar do poema um enlace entre dedos
quadro a quadro voltar ao rosto
descobrir em quantos disparos refaço seus olhos
é inútil pensar que sim
toda imagem é uma espécie de não dito
a palavra assombra um rosto na moldura
um rosto cinza sem prumo
ensaiar no poema fotografias cinzas
amansar a cor o papel
descobrir a luz que falta
sonhar este poema e
voltar logo em seguida
sem arrependimentos
a imagem de um lago sem som
não fosse a extensão
a curva dos ombros
as manhãs livres
sem cheiro sem alma
não fosse cada fio de cabelo seu
perdido levado pelo vento
não fosse essa imagem que
não desgruda de mim
que toma vida
e invade turva minhas tardes
não fossem as palavras que
não acesso que não lembro
as palavras que perdi as
palavras que você não me disse
não fosse a ideia desse lago escuro
seus mortos
a estática forma do tempo a me dizer fuja
não fosse a palavra a romper
a imagem de um lago sem som
[Érika Santos (Maceió-AL) é escritora, livreira, colunista literária e pesquisadora. Em 2022 publicou seu primeiro livro de poesia: Procurar o mar é exercício noturno, pela editora Penalux (SP). É estudante de Letras, pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), pesquisa na área de ciências da linguagem em análise do discurso pecheutiana e sua relação com o materialismo histórico dialético. É uma das idealizadoras da Novo Jardim Livraria, além disso, escreve e é curadora da página Literafolha, no jornal Folha de Alagoas]