Leonardo Ferreira e Nycole Melo
Medo, insegurança, abandono. É assim a realidade de quem vive nos Flexais de Baixo e de Cima, que sofrem com o isolamento geográfico causado pela evacuação da maior parte do Bebedouro e bairros circunvizinhos por conta da tragédia socioambiental da Braskem. A realocação é apontada como única alternativa para a região, segundo estudo da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
Publicado no início de outubro, o parecer técnico mostra que, além de estarem ilhados, os residentes do Flexal de Cima sofrem com potencial ameaça de desmoronamento das encostas, o que afetaria, em cadeia, o Flexal de Baixo. Isso porque ambos estão dentro da área de risco, conforme mapa da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM).
Além disso, são citadas questões como desmatamento, deixando a localidade mais suscetível aos deslizamentos, e rachaduras nos imóveis, provocando, inclusive, a demolição de algumas residências. É baseado no pleno isolamento pelas limitantes físicas, topográficas, ambientais e urbanas que Dilson Ferreira, responsável pelo parecer, defende sua avaliação sobre os Flexais.
“Os outros bairros afetados ou não, possuem limites urbanos conectados com o restante da cidade, diferente dos Flexais, que possui seu principal acesso urbano pelo Bebedouro (hoje um bairro fantasma em virtude do acidente da Braskem), e é limitado ao fundo por um vale, encostas e lagoa, o que o torna totalmente isolado”, afirma o professor da Ufal.
O estudo foi realizado a pedido da Defensoria Pública de Alagoas, que queria uma resposta técnica sobre a realocação dos Flexais e a possível geração de novas bordas em sequência, num processo de mutilação da cidade com mais casos de realocação.
Apesar do risco de deslizamentos, prossegue Dilson, não dá para prever o tempo que ocorrerá tal acidente, pois, para algo dessa natureza, uma série de fatores climatológicos e físicos precisam acontecer, como alta pluviometria, ausência de cobertura vegetal na encosta, encharcamento do solo, instabilidade construtiva das edificações, dentre outras variáveis.
Agonia
Há anos, os residentes dessas duas comunidades apelam pela inclusão no mapa de desocupação e no programa de compensação financeira, já que não receberam o mesmo tratamento das outras localidades. Até o momento, porém, não foram atendidos e tiveram que se contentar com uma indenização de apenas R$ 25 mil.
Atualmente, com a evacuação de parte da região e a fuga dos moradores, restam cerca de 912 casas habitadas, onde vivem 2.700 famílias, num total aproximado de 9.450 pessoas sob perigo. Em setembro, elas montaram um acampamento em forma de protesto, mas a Justiça, após ação movida pela Braskem, determinou o desmonte da manifestação.
De acordo com o líder comunitário Antônio Domingos, a falta de respostas do poder público e as medidas à contramão do que pedem os moradores aumentam a aflição e a sensação de impotência. Pesquisas oficiais junto à comunidade apontam que 78% querem ser realocados.
“Os moradores dos Flexais seguem com a sensação de medo e insegurança, pois os estudos apontam cada dia mais o alto risco na região, e até para dormir bem, não conseguimos. Estamos vivendo em meio a uma tragédia anunciada, mas não vamos parar. Nossa luta é por realocação e indenização justa”, desabafou Antônio.
Defensoria
Quem corrobora com essa visão é o defensor público Ricardo Melro. Em fevereiro, vale citar, a Defensoria ajuizou ação civil contra Braskem, União, Estado de Alagoas e Município de Maceió, em busca de uma indenização justa e o direito à realocação aos habitantes dos Flexais.
“A situação é de abandono. Um local cercado de escombros, medo e de… nada. Completo isolamento. É uma porção da cidade que perdeu sua função social: não tem farmácia, comércio, serviços públicos, incluindo transporte, saúde e educação”, argumenta Melro.
Segundo ele, todos os cinco estudos independentes e públicos concluíram pela realocação. O único que concluiu pela reurbanização foi de uma empresa contratada pela própria Braskem. O defensor também cita como agravante a vulnerabilidade social da região.
“Estão adoecendo e já houve suicídios por causa disso tudo. Estão com fome, passando necessidade, sem comércio, e de joelhos diante da poderosa Braskem para aceitarem uma bagatela de R$ 25 mil por todos os danos que estão sofrendo. E eles aceitam por causa da necessidade que estão. Se fosse R$ 1 mil, eles aceitariam, pois já se passaram mais de 3 anos sem qualquer ajuda e muitos perderam a fé nas instituições”, emenda.
Respostas
A reportagem da Folha procurou a Defesa Civil Municipal, a qual respondeu que ainda não recebeu o parecer técnico realizado pela Ufal, logo não tem como avaliar os dados e conclusões presentes no documento.
Contudo, o ilhamento socioeconômico vivido na região já é conhecido desde 2021 e, por isso, foi assinado o termo de acordo para o Projeto de Integração Urbana e Desenvolvimento dos Flexais, prevendo 23 medidas para reurbanização de toda a área.
Já sobre uma possível tragédia, a Defesa Civil disse que, por a região ser área de risco suscetível a alagamentos e deslizamentos, já acompanha, monitora, realiza visitas e também atendimento de ocorrências quando solicitado pela população.
“A região é, ainda, monitorada pelo Comitê Técnico de Acompanhamento, que realiza vistorias periódicas em toda a área adjacente do Mapa de Linhas e Ações Prioritárias (V4), para verificar se o fenômeno de subsidência tem avançado e há necessidade de inclusão de novas áreas no mapa”, finaliza o posicionamento municipal.