O episódio em que o deputado Washington Quaquá (PT-RJ) deu um tapa na cara de Messias Donato (Republicanos-ES) no plenário da Câmara, semana passada, jogou luz sobre a atividade do Conselho de Ética da Casa, para onde o caso será levado. O colegiado responsável por julgar a conduta dos parlamentares chega ao fim do ano sem nenhuma punição, com 72% dos processos arquivados e o restante, à espera da definição de um relator. No Senado, o cenário é semelhante: não houve punições nas quatro reuniões que ocorreram nos últimos seis anos, período em que ficaram para trás casos como o de Chico Rodrigues (PSB-RR), flagrado pela Polícia Federal em 2020 ao tentar esconder dinheiro na cueca.

O Republicanos já anunciou que vai protocolar uma representação e pedir a cassação do mandato de Quaquá. O petista alega que reagiu a uma agressão anterior. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), cobrou rigor do colegiado na apuração da investida física, que, segundo ele, “desmoraliza” o Congresso.
As penalidades previstas vão de censura verbal ou escrita à perda de mandato. Neste ano, o conselho se reuniu 18 vezes e abriu procedimentos para investigar 29 denúncias, desde acusações de importunação sexual em plenário até pedidos de cassação por suposta “rachadinha”. Os 21 casos que tiveram relatores escolhidos até o momento foram arquivados. Outros oito aguardam definição sobre quem vai conduzir a apuração.
As últimas punições foram direcionadas a Flordelis, que teve em 2021 a cassação aprovada no colegiado e depois referendada em plenário — ela foi condenada por mandar matar o marido —, e Boca Aberta, que recebeu em 2019 uma pena de suspensão de seis meses. O parlamentar, no entanto, recorreu, e a penalidade não vigorou na prática. Dois anos depois, ele perdeu o mandato, mas por determinação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
“Atuação conciliadora”
O presidente do Conselho de Ética da Câmara, Leur Lomanto Jr. (União-BA), justifica os arquivamentos com o argumentos de que o colegiado opta por uma “atuação conciliadora”:
— A maioria das representações ocorreu por debates acalorados e xingamentos, com denúncias quase sempre feitas por PT, PSOL e PL, o que mostra a polarização. Procuramos sempre conversar com os líderes partidários e amenizar esse descontrole. Na maioria das vezes, houve arquivamento pela fragilidade das suas motivações e agimos para conciliar essas questões, pedindo serenidade.
Um dos casos em andamento mira a suspeita de rachadinha no gabinete do deputado André Janones (Avante-MG), o que ele nega. Entre os que foram arquivados, um episódio envolveu Márcio Jerry (PCdoB-MA), alvo de uma representação por suposta importunação sexual contra Julia Zanatta (PL-SC). O parlamentar diz que não a praticou. O relator, Ricardo Maia (MDB-BA), concluiu que não houve quebra de decoro e foi acompanhado pela maioria, levando a acusação ao arquivo.
Na semana passada, na última reunião do ano, o colegiado também encerrou um processo do PL contra Sâmia Bomfim (PSOL-SP). O partido alegava que ela quebrou o decoro em declarações contra integrantes da CPI do MST.
Já no Senado, o último punido foi Delcídio do Amaral (MS), na época já fora do PT, que perdeu o mandato em 2016. Com representações contra diversos senadores, como Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) e Chico Rodrigues (PSB-RR), o Conselho de Ética da Casa segue sem funcionar na prática. Do fim de 2017 até hoje, o colegiado se reuniu apenas quatro vezes e não concluiu a análise de nenhum caso. O grupo é presidido pelo senador Jayme Campos (União-MT) desde 2019.
Em 2023, só houve duas sessões: uma para a instalação do colegiado, a outra para escolher os relatores de seis representações e arquivar outras seis. Há ainda 26 ações sem nenhum encaminhamento. Apesar de baixo, o número de encontros deste ano ainda é maior do que a média recente. De setembro de 2017 até o fim de 2022 também aconteceram só duas reuniões.
Presidente do colegiado, Jayme Campos não respondeu aos contatos do GLOBO. Em março, quando foi reeleito para presidir o grupo, ele disse que todos os processos teriam andamento.
— O que nós queremos é dar a maior celeridade possível para que de fato o Conselho cumpra sua finalidade e função. Não vai parar nada aqui, muito pelo contrário. O que chegar com certeza vai ter sequência, dentro daquilo que estabelece o regimento interno.
Outro foco
O corregedor do Senado, responsável por zelar pelo decoro e a ordem na Casa, é obrigado a participar como membro do Conselho de Ética. Neste ano, Márcio Bittar (União-AC) foi escolhido para a função. Apesar disso, ele diz que focou seu trabalho na elaboração do relatório da CPI das ONGs.
— Não tive tempo de me dedicar a esse assunto. Sou franco em dizer que não me concentrei nisso — afirmou Bittar.
A última reunião aconteceu em junho, quando representações contra Chico Rodrigues, Randolfe, Cid Gomes (PDT-CE), Styvenson Valentim (Podemos-RN), e duas contra Jorge Kajuru (PSB-GO) tiveram seus relatores definidos.
Flávio Bolsonaro, por sua vez, é alvo de uma ação de PT, PSOL e Rede, que o acusam de ter relação com milícias, o que o senador nega. A representação foi apresentada em 2020 e segue na gaveta, sem relator.
Há outros casos pendentes, como o que analisa uma representação contra Chico Rodrigues após ele ter sido alvo de uma operação da Polícia Federal, no final de 2020, quando foi localizado dinheiro escondido em sua cueca. O senador nega irregularidades.
No caso de Randolfe, que é líder do governo no Congresso, o ex-deputado Daniel Silveira reclama que o senador acusou o ex-presidente Jair Bolsonaro de corrupção e negligência por conta da atuação do governo passado na gestão da pandemia .
A última vez que o Conselho analisou um relatório, ainda que preliminar, foi em setembro de 2017, quando foi pedida a continuidade de uma representação contra o ex-senador e atual deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), que chamou o Senado de “circo” após um protesto de senadoras contra a reforma trabalhista ser contido. O caso foi arquivado pela legislatura ter se encerrado.
/O GLOBO