A proposta do governo de Luiz Inácio Lula da Silva para isentar o Imposto de Renda de pessoas que ganham até R$ 5 mil por mês e elevar a tributação dos contribuintes ricos, com renda anual a partir de R$ 600 mil, foi aprovada com facilidade na comissão especial da Câmara dos Deputados na quarta-feira (16/7) e pode ser apreciada no plenário da Casa em agosto.
O texto aprovado, de autoria do deputado Arthur Lira (PP-AL), fez alterações pontuais na proposta do governo. Uma das mudanças, que passou sem grande destaque, protege produtores rurais de alta renda do aumento de tributação proposto para os mais ricos, afirmam especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
Estimativas de economistas obtidas pela reportagem indicam que a mudança, caso aprovada pelo Congresso, evitará que esses fazendeiros paguem algo entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões em imposto no ano.
Antes dessa alteração, a previsão do governo era arrecadar R$ 34 bilhões com o aumento de tributos sobre os mais ricos, incluindo um imposto mínimo de até 10% sobre rendas anuais acima de R$ 600 mil e a taxação de dividendos (lucros das empresas distribuídos aos acionistas) enviados ao exterior.
A proposta é que esse aumento de receita cubra o corte de impostos sobre quem ganha menos. O projeto de lei (PL) enviado pelo governo previa acabar com a cobrança de IR sobre pessoas com renda mensal de até R$ 5 mil e reduzir a tributação dos que ganham até R$ 7 mil, medida que deve reduzir a arrecadação em quase R$ 26 bilhões, segundo a Receita Federal.
Com o Congresso pressionado por uma forte campanha do governo e sua base de apoio por “justiça tributária” nas redes sociais, Lira, relator do PL na Câmara, preservou a essência da proposta, mantendo a isenção até R$ 5 mil e elevando de R$ 7 mil para R$ 7.350 a faixa de renda mensal a ser beneficiada com redução parcial do IR. Essa mudança deve significar uma renúncia fiscal de mais R$ 1 bilhão, segundo estimativa do Sindifisco, sindicato que representa os auditores-fiscais da Receita Federal.
Lira chegou a sugerir uma redução da alíquota do novo imposto mínimo durante os debates na comissão, mas manteve o patamar de até 10% proposto pelo governo para rendas maiores, reconhecendo publicamente que as críticas de que o Congresso estaria protegendo os mais ricos influenciaram em sua decisão.
Por outro lado, o relator adotou alguns ajustes na aplicação dessa alíquota que reduzirão a taxação dos mais ricos, beneficiando em especial contribuintes com ganhos elevados de produção rural.
A proteção ao agro, setor que conta com forte bancada no Congresso, foi alcançada com a seguinte alteração da proposta: o texto aprovado na comissão passou a excluir “a parcela isenta [da renda] relativa à atividade rural” do valor que será tributado pelo imposto mínimo a ser criado.
Ou seja, a alteração evita que parte dos ganhos de produtores rurais que hoje são isentos passem a ser tributados no caso de contribuintes de alta renda, como desejava o governo.
Segundo o Sindifisco, os grandes números do Imposto de Renda divulgados em janeiro pela Receita mostram que pessoas com ganhos acima de R$ 600 mil por ano declararam R$ 61,8 bilhões de renda rural isenta em 2022.
Excluindo esse montante do valor a ser tributado pelo novo imposto mínimo, o Sindifisco estima que a alteração feita por Lira evitará o pagamento anual de R$ 4,1 bilhões por esse grupo na comparação com a proposta inicial do governo.
O presidente do sindicato, Dão Real, criticou esse alívio ao agro, mas disse que o parecer aprovado na comissão surpreendeu positivamente ao manter o imposto mínimo sobre os mais ricos.
O Sindifisco defende que a mudança poderia ser ainda maior, com a correção da tabela do IR pela inflação passada, o que aumentaria a redução da cobrança sobre a classe média. O sindicato apresentou ao Congresso uma proposta em que o imposto mínimo sobre os mais ricos teria alíquota maior, de até 15%, o que cobriria a desoneração de rendas menores.
O economista Sérgio Gobetti, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), também estimou o impacto da mudança. Usando outra metodologia e dados de 2023 da Receita Federal, ele calcula que a proteção ao agro inserida por Lira vai evitar a arrecadação de R$ 3 bilhões.
Segundo Gobetti, a mudança beneficia produtores rurais de alta renda que declaram seu imposto como pessoa física. Os maiores produtores do país, porém, costumam operar como empresas e por isso não serão afetados, ressalta.
A renda que não será atingida pelo imposto mínimo, segundo o texto aprovado na comissão, é referente à parte do faturamento do produtor pessoa física que não é tributada hoje quando ele opta pela modalidade de lucro presumido.
Nesse tipo de declaração, apenas 20% do faturamento é considerado lucro e os outros 80% são presumidos como custo de produção.
Como esses produtores não têm que comprovar o que de fato é custo ou lucro, especialistas em tributação dizem que, na prática, deixam de pagar Imposto de Renda sobre parte dos seus ganhos, já que, em muitos casos, o valor gasto na produção é inferior a esses 80%.
Pela proposta do governo, essa renda isenta passaria a ser tributada pelo imposto mínimo, no caso dos produtores com ganhos a partir de R$ 600 mil anuais.
Segundo Gobetti, há ainda outra alteração feita por Lira que vai reduzir a taxação efetiva dos mais ricos. Embora seu texto tenha mantido o imposto mínimo sobre ganhos acima de R$ 600 mil ao ano, ele aumentou os tipos de renda que podem ser excluídas da base de cálculo desse tributo.
Ou seja, com isso, menos declarantes serão enquadrados na renda a ser taxada pelo imposto mínimo, mesmo que ganhem mais de R$ 600 mil.
E, como esse imposto mínimo tem uma alíquota progressiva, que sobe de 0% (rendas acima de R$ 600 mil) até 10% (rendas acima de R$ 1,2 milhão), isso significa que a redução das rendas consideradas na base de cálculo vai resultar na aplicação de alíquotas menores sobre esses contribuintes.
Sua estimativa é que essa mudança reduzirá a arrecadação dos mais ricos em mais R$ 1 bilhão.
Segundo Gobetti, a justificativa apresenta por Lira para essa mudança foi simplificar a proposta, já que o PL enviado pelo governo previa uma base de cálculo para determinar a renda que colocaria o contribuinte no imposto mínimo, e outra base de cálculo, menor que a primeira, para a estimar quanto dessa renda seria de fato tributada.
Ao igualar as duas bases houve esse efeito de reduzir o cálculo da renda para entrada no imposto mínimo.
A Receita Federal ainda está fazendo seu próprio cálculo sobre os impactos do parecer de Lira nas previsões de perdas e ganhos de arrecadação com a mudança do IR. Apesar das alterações, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, celebrou o parecer de Lira.
“Eu gostei. Acho que foi muito bom. Acho que vai ser muito bem recebido e cumpre os objetivos da reforma da renda”, disse, horas antes da aprovação da proposta.
Segundo declaração recente de Haddad, a alíquota efetiva média do IR de quem ganha mais de R$ 1 milhão por ano no Brasil é de 2,5%.
A alíquota efetiva é o percentual da renda total que de fato foi consumida pelo IR. No caso dos milionários, essa taxa costuma ser menor do que a de trabalhadores de classe média, justamente porque parte relevante de sua renda é isenta.
Caso o imposto mínimo entre em vigor, uma pessoa com renda acima de R$ 1,2 milhão que tenha uma alíquota efetiva de 2,5%, por exemplo, teria que pagar mais 7,5% de imposto para completar a alíquota mínima de 10%.
Fonte: BBC Brasil















