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Barqueiro do Éter: uma elegia à memória de Angela Ro Ro, matriarca da liberdade e da transgressão

11 de setembro de 2025
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Barqueiro do Éter: uma elegia à memória de Angela Ro Ro, matriarca da liberdade e da transgressão
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Alexandre Câmara

Fui acordado com a notícia da morte de Angela Ro Ro. Deitado, não me levantei. Fiquei digerindo a morte como se fosse pedra dentro da boca. A matriarca universal da energia da liberdade se calara. A mulher que me abriu as portas da cultura; que falou sobre Rimbaud numa revista de fofoca e alardeou uma verdade nua; que, jovem, bradou o amor trágico com um sarcasmo indomável que ria da dor. Que amava seu papagaio, fez de cães e gatos sua companhia, que exaltava a beleza de tirar uma pitanga do pé.

Angela, que ensinou a amar sem pedir licença. Que libertou da culpa, há quase meio século, os jovens que amavam seus iguais. Anjo do amor guiado por Hare Krishna. Que sofria pela morte das civilizações inteligentes. A luz dourada da rebeldia selvagem e esplendorosa que guiou uma geração, domada a golpes de barras de ferro no crânio pela polícia, o que lhe deixou parcialmente cega e surda e tirou-lhe parte da beleza felina — uma de suas armas fatais de encantamento —, que anestesiou-se para domar o próprio ímpeto, foi se diluindo numa arte e expressão mais arrefecida, para agora apagar de vez. Hoje não é dia de blues ou samba-canção. É dia de réquiem: “Bandeira de paz na lua, bandeira fincada no meio da rua.”

Aperto o travesseiro contra o peito. Tento voltar a dormir. Não consigo. O silêncio pesa mais que a tarde sem perdão. Permaneço na cama, imóvel, mas os velhos desfilam pela memória. Vejo o barqueiro de Dante pedindo a moeda, o Velho do Restelo amaldiçoando a glória, Pai Goriot esperando pelas filhas ingratas, Lear enlouquecido na tempestade, José Arcadio acorrentado ao castanheiro de Macondo, o velho da praça que murmura sozinho sobre um banco gasto e sem destino. Acendo um cigarro, paro o olhar no teto. Por que me acordaram pra dar essa notícia? Que falta de respeito com meu sono. Uma violência dessas, no meio da tarde.

Vejo ainda a velha tecelã dos mitos, os fios do tempo entre os dedos, Cassandra gritando profecias que ninguém ouviu, a bruxa sábia da floresta queimada por saber demais, e a mulher da minha linhagem, cozinhando silêncio na panela de pressão. Vejo as velhas da praia do Barco Negro, de roupas escuras e olhos parados no horizonte, o coro ancestral que em uníssono avisa: “Seu amor não volta mais.” Sua fé é um cais, seu luto, um ritual antigo. E vejo também o velho da rua, esmola sem casa, chão duro para dormir, pele seca de fome, olhos cheios de silêncio. Todos eles desfilam pelo meu quarto, e minha cama é a ponte entre o que se perdeu e o que me resta.

Constato apenas: os que me ensinaram a viver já morreram, e mais tarde sou eu. Minha energia vital também se dissolve, como água em pedra rachada. A constatação é estéril, seca, extirpação de possibilidades. A morte é dor fantasma no membro arrancado. Será que aguento mais essa dor sem peso, indelével?

Já passei por tantas: o amado que verteu sangue do pulso no meu rosto, a morte do corpo e a impermanência da alma de quem não queria se ir, meu filho abortado à minha revelia. “Quero ver as grande fila no final do mundo e Deus me atender primeiro porque fui vagabundos.” Sinto então um enfastiamento, uma náusea sem potência, nojo do meu corpo que persiste — cão que lambe ferida alheia — enquanto o essencial se perde.

Penso então em Angela novamente: enterrei hoje minha segunda mãe, esta que me deu motivo pra viver. Guardião da minha vida, que guiou minha alma. Quanto mais opulenta e mais inebriada, mais infinitamente fascinante. A verdade da transgressão exposta com força, alegria e naturalidade, numa época em que isso nem se cogitava. Tão verdadeira que, quando cantava, pegava-se a própria alma em sua voz, única, original, criativa. “O que brilha é a loucura. Passa aqui a garrafa que eu devolvo a cura.”

Então compreendo. No vazio do lusco-fusco, no silêncio da cama, o velho sou eu. Com o olhar sem dor de quem já enterrou grandes amores, pergunto-me: este seria o último? O mais importante? Não o grito que dilacera, mas essa dor seca, estéril, que vai doer lentamente, dia após dia, sem cessar.

É chegada a noite. O barqueiro do éter rema.

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