O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, afirmou que o projeto de lei antifacção está “maduro” e tecnicamente “muito bem estruturado”, dependendo agora apenas do aval do presidente Lula para ser enviado ao Congresso Nacional.
Elaborado desde setembro pelo Ministério da Justiça, o texto propõe uma ampla reformulação das normas penais e ganha destaque em meio à crise da segurança pública no Rio de Janeiro, após uma operação policial que deixou ao menos 66 mortos.
“Nosso papel foi feito. […] É um projeto bastante completo, que vai alterar o Código Penal, o Código de Processo Penal, a lei das organizações criminosas, dos crimes hediondos, da prisão temporária e da lei de execução penal. […] Está maduro, tecnicamente muito bem estruturado e agora depende apenas do presidente da República”, disse Lewandowski em entrevista coletiva nessa terça-feira (28).
O ministro afirmou que o texto já está na Casa Civil, onde é analisado por técnicos do governo e pela Advocacia-Geral da União (AGU). Segundo ele, participaram da formulação todas as áreas ligadas ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, como a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Penal Federal.
Lula passou uma semana na Ásia, onde participou de compromissos oficiais na Indonésia e na Malásia e se encontrou com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, entre outros. Ele desembarcou em Brasília na noite dessa terça.
Principais pontos do projeto
O projeto antifacção traz medidas inéditas no combate ao crime organizado e altera leis como a de Execuções Penais e a de Organizações Criminosas. Entre as principais propostas estão:
- Criação de empresas fictícias de fachada: permite a constituição de pessoas jurídicas falsas para infiltração em facções, rastreamento de fluxos financeiros e identificação de lideranças. Essas empresas, monitoradas por órgãos de investigação, poderão simular atividades como fintechs, joalherias ou lavanderias.
- Infiltração policial com respaldo legal: regulamenta a atuação de agentes infiltrados em organizações criminosas, garantindo segurança jurídica à prática.
- Colaboração premiada sem desligamento da facção: autoriza que integrantes colaborem com investigações sem deixar o grupo criminoso, permanecendo infiltrados para colher provas em troca de redução de pena.
- Monitoramento de conversas entre presos e advogados: amplia, mediante autorização judicial, a possibilidade de gravação das conversas em parlatórios, hoje restrita aos presídios federais, quando houver indício de articulação criminosa.
- Banco Nacional de Dados de Organizações Criminosas: cria um sistema unificado com informações sobre integrantes de facções em todo o país, presos ou em liberdade. Segundo o Ministério da Justiça, há entre 80 e 90 facções ativas no Brasil.
Lewandowski destacou que o objetivo do pacote é “descapitalizar as facções criminosas”, atingindo suas fontes de financiamento e poder econômico.
Crise no Rio reacende o debate
O anúncio do projeto ocorre em meio à Operação Contenção, a maior já realizada no Rio de Janeiro, que deixou 66 mortos nos complexos do Alemão e da Penha. A ação, com 2,5 mil policiais civis e militares, prendeu 81 suspeitos e apreendeu 93 fuzis, granadas e mais de 500 quilos de drogas. Quatro policiais morreram durante os confrontos.
O governador Cláudio Castro (PL) pediu ao governo federal dez vagas em presídios de segurança máxima para transferir lideranças do Comando Vermelho, afirmando que o estado “não vai tolerar complacência com o crime”.
“Estamos enfrentando o crime com rigor, dentro da lei, e quem continuar comandando ações criminosas de dentro das cadeias vai ser isolado e responsabilizado”, afirmou Castro.
A letalidade da operação provocou protestos de moradores e reacendeu o debate sobre o modelo de enfrentamento ao crime nas favelas.
Câmara promete rapidez na tramitação
O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou que o Parlamento está pronto para dar “total celeridade” à tramitação do projeto de lei antifacção.
“Estamos aguardando a proposta do governo. Vamos dar total celeridade ao projeto”, disse Hugo Motta, que pretende evitar a criação de uma comissão especial para garantir votação em até 45 dias.
A proposta deve tramitar em paralelo com a PEC da Segurança Pública, que redefine competências entre União e estados e fortalece o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) – medida tratada por líderes do Congresso como resposta à escalada da violência.
Atrito entre governos federal e estadual
A crise no Rio também gerou tensão política. Nessa terça-feira, o governador Cláudio Castro afirmou que o estado estava “sozinho” na operação, o que levou o Ministério da Justiça a contestar a declaração. Depois, Castro recuou e disse ter sido “mal interpretado”.
“Houve uma leitura errada da minha fala. Eu não pedi ajuda. Apenas disse que o governo federal não participou da operação”, explicou o governador.
Em nota, o Ministério da Justiça afirmou que não recebeu pedidos formais de apoio e lembrou que atua no Rio desde outubro de 2023, por meio da Operação Nacional de Segurança Pública, além de 178 ações da Polícia Federal neste ano, 24 delas voltadas ao combate ao tráfico de armas e drogas.
Lewandowski reagiu às críticas e reforçou que a segurança pública é responsabilidade primária dos estados:
“A responsabilidade é, sim, dos governadores, no que diz respeito à segurança dos respectivos estados. O que propusemos ao Congresso é uma PEC que busca exatamente a coordenação das forças federais com as estaduais e municipais. O crime organizado hoje é um fenômeno nacional e até global.”
Com o texto já na Casa Civil, a expectativa é que Lula avalie o projeto nos próximos dias. A decisão marcará o início da tramitação do pacote antifacção, considerado pelo governo o mais ambicioso plano de combate ao crime organizado desde a criação dos presídios federais.
/Congresso em Foco















