Decreto publicado no começo de julho consolidou alterações nas regras que disciplinam a concessão de benefícios aos segurados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), após a entrada em vigor da Reforma da Previdência.
Entre as principais mudanças trazidas pelo Decreto 10.410 está a inclusão na categoria de contribuinte individual os motoristas de aplicativos, artesãos e empregados sujeitos ao contrato de trabalho intermitente, entre outros.
Além disso, foram estendidos os direitos previdenciários ao trabalhador doméstico. Agora, ele passa a ter direito a benefícios acidentários, como auxílio por incapacidade temporária e aposentadoria por incapacidade permanente.
Com a ampliação dos serviços remotos prestados pelo INSS, a nova regra incentiva a informatização dos serviços para que sejam prestados por meio de canais de atendimento eletrônico, tornando como exceção o que era regra, ou seja, o atendimento presencial apenas nos casos em que o requerente não disponha de meios digitais para obter ou comprovar seu direito.
“Isso se mostra importante para consolidar alterações na legislação dos últimos dez anos e também eliminar o avançado número de portarias administrativas regulamentadoras que tivemos nos últimos meses”, diz João Badari, advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados.
Veja outros pontos do decreto que trazem modificações importantes para segurados, de acordo com Badari:
Contagem do tempo de contribuição: passa a ser considerado por mês cheio, não mais por dias trabalhados.
Cadastro dos segurados especiais: prevê que o Ministério da Economia manterá sistema de cadastro dos segurados especiais (trabalhadores rurais que produzem em regime de economia familiar) no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) para permitir a concessão automática dos benefícios.
13º salário: garante a antecipação do 13º salário dos beneficiários do INSS de forma definitiva. Serão pagos 50% do valor em agosto e outros 50%, em dezembro. Antes, o segurado precisava aguardar um decreto presidencial anual.
Salário maternidade: foi criada uma espécie de “pensão maternidade”, em caso de óbito de segurados que recebiam o salário-maternidade.
Auxílio-reclusão: não pode ter valor superior a um salário mínimo, atualmente em R$ 1.045, e é devido somente aos dependentes do segurado recolhido à prisão em regime fechado.
Dependência econômica: eram exigidos três documentos para a comprovação da dependência para receber benefícios previdenciários, agora o decreto regulamenta que serão dois documentos, por exemplo, o contrato de aluguel e um comprovante de dependência no imposto de renda.
Carência no recebimento de benefício por incapacidade: o recebimento de benefício por incapacidade (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez) será considerado como tempo de contribuição se intercalado, porém, não será considerado como carência (número mínimo de contribuições mensais necessárias para ter direito ao benefício). O segurado afastado poderá contribuir como facultativo para obter tal período como carência.
Contribuição com valor inferior a 1 salário mínimo: caso a contribuição do mês seja menor que um salário mínimo, o trabalhador poderá agrupá-la com outro mês recolhido em valor menor, ou complementar o valor, pois ela não será considerada como tempo de contribuição e nem manterá sua qualidade de segurado se recolhida a valor menor que o mínimo.
Aposentadoria especial: a efetiva exposição a agentes nocivos deverá ser comprovada desde que os EPI e EPC (equipamentos de proteção individual e coletiva) não eliminem nem neutralizem os agentes para a saúde do trabalhador. O critério utilizado não será mais a NR (Norma Regulamentadora do direito trabalhista) e, sim, as Normas de Higiene Ocupacional da Fundacentro. Antes, no caso de exposição a agentes cancerígenos, era presumido que eles possuíam nocividade à saúde do segurado, caracterizando o direito à aposentadoria especial ou a conversão do período em comum. Além disso, o decreto não menciona o período de recebimento de auxílio-doença acidentário como tempo especial, o que impacta no direito à aposentadoria especial.
Possibilidade de concessão de benefício diverso do requerido: o decreto estabelece que caberá ao INSS conceder o benefício mais vantajoso ao requerente ou benefício diverso do requerido, desde que os elementos constantes do processo administrativo assegurem o reconhecimento desse direito.
Pessoa com deficiência: o cálculo da aposentadoria deve considerar todos os salários de contribuição, sem descartar os menores. Entretanto, a Reforma da Previdência determinou que o segurado com deficiência tem o direito de desconsiderar no cálculo da aposentadoria os 20% menores salários de contribuição a partir de julho de 1994. Segundo Badari, caberá ao segurado recorrer ao poder Judiciário para revisar seu benefício, pois um decreto não pode ir contra norma expressa pela Emenda Constitucional 103/19 (responsável pela reforma).
Atividades concomitantes: o segurado pode somar as contribuições das atividades concomitantes recolhidas no mesmo mês, pois não há mais distinção entre atividades secundária e principal, independente do período trabalhado. Atividades concomitantes são ter mais de um emprego ao mesmo tempo, comum entre profissionais da saúde e professores. Por exemplo, um médico presta serviço como plantonista em um hospital e, em dia diverso, em sua clínica. Portanto, o período concomitante é o tempo em que um trabalhador teve duas atividades simultâneas e recolheu a contribuição para a Previdência durante esse período sobre as duas.
Novas regras dificultam aposentadoria especial
Entre as mudanças, João Badari destaca a maior dificuldade para que trabalhadores consigam alcançar o direito à aposentadoria especial por conta do contato com agentes cancerígenos, como combustíveis, agrotóxicos, minérios e radiação presente em laboratórios de raio-X.
A regra anterior permitia que a caracterização do tempo especial fosse automática por conta da atividade de trabalho. O novo decreto, porém, determinou que o trabalhador será considerado efetivamente exposto ao agente cancerígeno somente quando a nocividade não tiver sido neutralizada por medidas de controle.
De acordo com especialistas, a mudança afeta profissionais de postos de combustíveis, do setor agrícola, mineradores, operários da indústria química e construção civil e trabalhadores da área da saúde e de laboratórios, entre outros.
João Badari afirma que a tendência é que trabalhadores dessas categorias percam o direito à aposentadoria especial mesmo que tenham contato habitual com as substâncias cancerígenas.
“Para agentes cancerígenos como o benzeno, que é um elemento necessário para a fabricação da gasolina e que anualmente acomete diversos frentistas, não existia Equipamento de Proteção Individual (EPI) eficaz ou um limite tolerável de exposição. O simples fato de trabalhar diariamente com o produto já possuía presunção de nocividade. Agora, se adotadas medidas de controle previstas na legislação trabalhista, poderá ser eliminada a nocividade”, exemplifica.
Conforme as novas regras aprovadas pela reforma da Previdência, em vigor desde novembro do ano passado, os critérios para alcançar o direito à aposentadoria especial variam conforme o grau de periculosidade do trabalho. Homens e mulheres necessitam completar 60 anos de idade mais 25 anos de tempo especial em atividade de menor risco; 58 de idade mais 20 anos de tempo especial para o médio risco; e 55 anos de idade mais 15 anos de tempo especial para atividades de maior risco.
Documentos como o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) e o Laudo Técnico das Condições do Ambiente de Trabalho (LTCAT), fornecidos obrigatoriamente pelas empresas, comprovam o contato com os agentes nocivos à saúde, a exemplo de substâncias cancerígenas.
“Daqui para frente, será preciso provar que o uso de equipamentos de proteção não é suficiente para inibir os efeitos daquele agente cancerígeno. As empresas colocam que há o uso de EPI eficaz, ainda que outra seja a realidade, e o segurado encontrará mais dificuldade para fazer valer o seu direito”, aponta Erick Magalhães, advogado previdenciário e sócio do escritório Magalhães & Moreno Advogados.
A nova regulamentação também impactou o direito à aposentadoria especial ao não mencionar o período de recebimento de auxílio-doença acidentário como tempo especial. “Certamente essa questão resultará em ações judiciais, já que não é aceitável que um trabalhador vítima de doença do trabalho ou acidente do trabalho não tenha reconhecido esse tempo como especial, especialmente quando se observa que, nesse período, o recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) é obrigatório justamente por se tratar de acidente ou doença ocupacional”, observa Erick Magalhães.
G1