Em novo capítulo da guerra política que ocorre nos bastidores do Atlético-MG, o presidente Sérgio Sette Câmara entrou em conflito com Carlos Fabel, ex-diretor financeiro atleticano. Baseado em um relatório da auditoria Kroll, o presidente afirma em troca de correspondências haver “graves imputações de irregularidades” contra o ex-funcionário.
O ge obteve dois documentos com acusações de parte a parte. No primeiro, cobrança extrajudicial assinada em 1º de setembro de 2020, o ex-diretor financeiro requer do clube o pagamento de R$ 1,7 milhão.
O valor corresponde às parcelas que não foram pagas ao ex-funcionário pelo Atlético-MG, referentes à rescisão de seu contrato, acrescidas de multa pelo não pagamento. Os advogados anexaram a cópia da rescisão e afirmaram que, caso o clube não cumpra com o combinado, “as medidas judiciais cabíveis para recebimento do crédito” serão adotadas.
No segundo documento obtido pela reportagem, esta uma correspondência do Atlético-MG endereçada a Fabel em 21 de setembro de 2020, o presidente Sérgio Sette Câmara afirma que suspendeu o pagamento do acordo em função de “graves imputações de irregularidades dirigidas” ao ex-diretor financeiro atleticano.
O dirigente se baseia em valores levantados pela Kroll, auditoria contratada por ele para investigar o que foi feito no clube nas últimas administrações. A empresa, segundo esta correspondência, “apurou e comprovou a realização de pagamentos indevidos, desprovidos de lastro contratual em correção com os serviços prestados”.
A auditoria detectou que Fabel era remunerado pelo Atlético-MG por meio de três empresas, das quais ele é proprietário:
Consultoria Pontual Ltda
Art Sport Assessoria Ltda
CASF Consultoria Empresarial Ltda
Os pagamentos foram realizados a essas empresas entre maio de 2009, ainda na administração de Alexandre Kalil, até dezembro de 2017, passando também pela gestão de Daniel Nepomuceno. No total, o então diretor recebeu R$ 15,8 milhões líquidos no período. No entanto, apenas R$ 5,8 milhões constam em contratos encontrados pela Kroll.
Trecho de relatório da Kroll, auditoria contratada para apurar contas do Atlético-MG — Foto: Reprodução
Trecho de relatório da Kroll, auditoria contratada para apurar contas do Atlético-MG — Foto: Reprodução
Sette Câmara encerra a resposta a Fabel cobrando dele “valores recebidos indevidamente” no prazo de cinco dias corridos, “sob pena das medidas judiciais cabíveis”. Trecho do relatório da Kroll está anexado.
Quanto ganha um diretor financeiro
A CBF encomendou da EY, em 2017, um estudo sobre as remunerações de profissionais envolvidos com o futebol. No caso de diretores financeiros contratados por clubes da primeira divisão em regime de pessoa jurídica, a remuneração média ficou em R$ 71 mil por mês.
No caso de Carlos Fabel, os R$ 15,8 milhões líquidos recebidos do Atlético-MG entre 2009 e 2017, de acordo com os valores levantados pela auditoria da Kroll, correspondem a uma média de R$ 140 mil por mês.
O que dizem os envolvidos
Carlos Fabel afirma que todos os serviços prestados por ele na condição de diretor financeiro estão amparados por contratos e notas fiscais. Ele também diz que todas as demonstrações financeiras e contábeis foram auditadas e aprovadas pelo Conselho Deliberativo.
O assunto está sendo tratado pelo advogado do profissional – que agora também questionará o clube em relação ao vazamento das correspondências, além de cobrar os valores. O termo de rescisão contratual, diz Fabel, teve a sua cláusula de confidencialidade quebrada.
– Trabalhei no Atlético em um período glorioso. Período de troféus e vitórias. Quando eu cheguei ao Atlético, o clube estava sucateado. Tinha 183 processos na Serasa, 256 ações caminhando contra o clube, não tinha dinheiro para nada. Salários e décimo terceiro estavam atrasados. Implantei um plano de cargos e salários, convênio médico para todos os 600 funcionários, plano odontológico. Tinha FGTS atrasado desde 1992! Isso me assustou na época. Colocamos em dia. O Atlético tinha contas bloqueadas. Limpei os processos, as ações, e o Atlético voltou a ter crédito. Sou um profissional e tenho meu preço.
Também procurado pela reportagem, o Atlético-MG optou por não fazer comentários sobre o conflito com o ex-diretor financeiro. A diretoria se manifestou por meio da seguinte nota enviada ao blog.
– Como amplamente já divulgado pela imprensa, o Atlético contratou empresas de auditoria que estão traçando uma radiografia do clube, incluindo as gestões passadas e a atual. Portanto, se necessário e quando pertinente for, o clube fará os devidos encaminhamentos.
A guerra fria do Atlético-MG
O Atlético-MG está em ano eleitoral. Mais grave, o clube está no centro de uma disputa por poder entre dirigentes e empresários. Apesar das declarações públicas dos principais personagens de que a política está apaziguada, nos bastidores eles trocam acusações e intimidações.
Sérgio Sette Câmara, advogado, é o atual presidente. Ele tem o apoio financeiro do banqueiro Ricardo Guimarães, do BMG, e dos empresários Rubens e Rafael Menin, proprietários da MRV. Eles estão arcando com grande parte dos custos das atividades do futebol em 2020, por meio de empréstimos pessoais para contratações de jogadores.
Apesar do desejo de tentar a reeleição na presidência do clube, Sette Câmara ainda não oficializou a candidatura, por falta de um apoio concreto de Guimarães e da família Menin. Os atuais financiadores atleticanos preferem uma chapa de consenso entre as correntes de Sette Câmara e Kalil, ao que tudo indica, e devem se manifestar mais perto da eleição, marcada para a primeira quinzena de dezembro.
Alexandre Kalil, atual prefeito de Belo Horizonte, não concorrerá à presidência do Atlético-MG. Mas ele, ex-presidente do clube, manteve influência sobre a política atleticana mesmo após deixar o cargo.
O conflito com Carlos Fabel é um meio para enfraquecer o lado de Kalil. O ex-diretor financeiro foi um dos principais profissionais na administração do ex-presidente. Até hoje é um amigo de sua confiança.
No começo deste mês, o ge publicou reportagem com movimentos de ambos os lados. Kalil foi acusado de aparelhar o clube com a contratação de parentes. Sette Câmara teve exposto o contrato que assinou em benefício de um amigo advogado, para que este ganhasse pelo menos R$ 2 milhões em ações nas quais representou o clube.
GE