Marquinhos chegou umas duas horas atrasado. Esqueceu de comprar a linguiça e
trouxe a cerveja de trigo ainda quente. Reclamou do calor, do trânsito e da mulher que
demorou demais para arrumar os três filhos. “Esses meninos não param”, visivelmente
irritado e já se explicando para o cunhado que estava na beira da churrasqueira, sem
camisa, com um avental que ganhou da sogra e usando um boné com a bandeira do Brasil.
“Dê um jeito na sua mulher, meu amigo. Vocês demoraram demais, tive que começar o
churrasco sozinho”, devolveu o rapaz. Marquinhos soltou uma risadinha sem graça,
daquelas que fazem subir um lado do rosto, que mais parece uma careta, desconversou,
colocou a cerveja de qualidade mediana no fundo do isopor cheio de gelo e pegou outra
garrafa que estava bem mais gelada. “É dessa aqui que eu gosto”, e sentindo um certo
prazer, deu longos goles na long neck da cerveja mais cara.
Sujeito jovem, o Marquinhos. Rebento mais novo do casal Nero e Margarete, o mais
parecido com o pai. Deve ser porque foi o filho que passou mais tempo em casa e só saiu
quando foi casar. Durante muito tempo eles foram vizinhos, seu Nero alugou a casa da
esquina, quatro casas depois da sua. Marquinhos e Ana se casaram quando a moça
engravidou. Eles namoravam desde a adolescência e depois de alguns anos de idas e
vindas, um bebê bochechudo chegou na família. Com tanta responsabilidade aparecendo
na vida do menino Marquinhos, ele precisou trancar o curso na faculdade particular de
engenharia e foi trabalhar na seguradora de um amigo de seu Nero, sentindo um pouco do
que a vida de adulto lhe reservava.
Seu Nero vem da cozinha com um copo americano na mão, se queixando da altura
do som e pedindo para o genro, aquele da churrasqueira, aumentar o volume. “Está muito
baixo, mal dá pra ouvir da cozinha e eu ainda tive que ficar aguentando as reclamações de
Margarete”. As crianças chegam para abraçar o avô, esticam as mãozinhas “bença, vô”, e
saem correndo de volta para a piscina. O patriarca, com aquele rosto redondo e muito
vermelho, provavelmente esqueceu o remédio da pressão de novo, em seguida beija a
cabeça da nora, reclamando da demora. “Vocês precisam se organizar melhor, Ana. É
sempre esse esse problema quando vocês vêm pra cá”. Ana, rindo desanimada, tentando
disfarçar e esboçando uma certa simpatia à chamada do sogro, se perde nos próprios
pensamentos: “Fale isso ao seu filho, meu anjo”, sentindo latejar o limite da sua paciência.
Ele senta na ponta da mesa retangular de maçaranduba que mandou trazer do
interior só para reunir a família nos fins de semana. Ela é quase tão vermelha quanto a
carne mal passada que estava saindo do espeto. Seu Nero adora receber todo mundo em
casa: filhos, noras, genros, netos e agregados. “Coisa linda é ver esse povo todo reunido,
brincando e bebendo comigo. Cinco filhos, nove netos, tudo homem e mulher de bem, gente
decente e de família. Quanto orgulho! Margareeeeeete, o que está faltando aí?”. Seu Nero é
muito feliz com todo mundo. Adora quando estão todos ao seu redor, ouvindo, obedecendo
e concordando com tudo o que ele fala.
Dona Margarete, enquanto tira o pudim do forno, grita de volta com uma irritação
característica de quem precisa de ajuda, mas continua fazendo tudo sozinha: “Tudo, Nero.
Está faltando tudo. Desde cedo eu tô nessa cozinha, fazendo almoço, sobremesa, parece
que não termina nunca. Nem banho eu tomei ainda”, e volta a falar mal da ex-nora,
resmungando com Clarissa, esposa de Marcinho, o terceiro filho: “Eu sempre pensei que
esse casamento fosse durar a vida toda. Não sei como uma mulher que sempre teve tudo,
nem precisava trabalhar, inventa uma separação assim, do nada. Estou desconfiando que
tem outro nessa história, mas Maurinho não fala nada, não conversa com ninguém, só
reclama que os meninos estão muito rebeldes. Isso deve ser culpa dela também”. Clarissa,
vez ou outra revirando os olhos, fazendo de conta que está atenta às lamentações da
sogra, tenta manter o diálogo como se estivesse no mais alto grau da curiosidade.
“Complicado, dona Marga, tem mulher que não sabe a sorte que tem”, prende o riso,
lembrando da mensagem do amante de hoje cedo, cheia de saudade e safadeza. Queria
mesmo era estar longe dali, com uma companhia bem mais interessante e dona Margarete
nem percebe sua frustração. “Me passe essa travessa que está aí do seu lado para eu
colocar a salada, minha filha”.
(continua na próxima edição…)