Um dia desses eu encontrei uma amiga num café que costumamos frequentar e, entre os tantos e intermináveis assuntos que a gente sempre conversa, mencionamos sobre o quanto estamos cansadas de um jeito muito parecido. Cansadas da pressa, de urgências diárias, dos fiapos de alegria que chegam até a gente quase sempre depois de um longo percurso de melancolia. Enquanto a gente desabafava uma com a outra, procurando alguma forma de descomplicar os dias, acolhendo as nossas dores, os nossos inconformismos com a vida adulta que se desenha e essa realidade conturbada que a gente está enfrentando, uma constatação: o mundo mudou e a gente sente na pele, nas mãos ressecadas pelo álcool gel (ou seria correto falar álcool em gel? a saber), nos humores oscilantes e na ligeireza das coisas. A vida é movimento, e nós? Aonde estamos indo?
À medida que minha amiga ia desabafando, eu mergulhava naquelas palavras, sentindo como se fossem os meus próprios descontentamentos sendo expostos ali na conversa. E eram. Eles estavam se reorganizando através da voz dela. Duas mulheres dividindo as incertezas, os conflitos e os desafios diários. Precisaríamos de um pequeno mapa do tempo (alô, Belchior, ajuda nós aqui!) para conseguir colocar em ordem cada expectativa frustrada de uma vida que deseja ser vivida com mais estabilidade e realização. Lembrei de um dos períodos recentes de bloqueio que tive e do dia em que eu fiquei meia hora de pé, em frente à minha escrivaninha, observando a bagunça que havia deixado da última vez que mexi ali. Um amontoado de livros pela metade, cadernos diversos com frases soltas, trechos de músicas, de livros, poemas, pequenos textos e esboços para se transformar em algo que eu não sabia o que poderia ser. O mural de cortiça desatualizado, cheio de lembretes do que deveria ter sido feito vários dias atrás. A folha do calendário ainda do mês passado e aquele mês já perto do fim. Cada parte do móvel pequeno, feito de madeira barata que não pode nem chegar perto de uma gota de água, era um depósito de abandonos cada dia mais distante do provável retorno à normalidade.
O que há de errado com a simplicidade? Por que eu não posso querer que as coisas sejam mais fáceis, mais espontâneas e que atendam às demandas diárias de forma natural, seguindo o tempo que o meu corpo suporta? Para muita gente o segredo do sucesso se mede em números. E eu explico: começa pela conta bancária e tudo o que ela pode bancar, passa pela quantidade de coisas que elas querem, idealizam e desejam mais do que tudo e agora, no nosso mundo contemporâneo dominado pela tecnologia e pelo culto à imagem, chega à quantidade de seguidores e de alcance que se consegue ter nas redes sociais.
Não sei bem como definir o sucesso sem associá-lo a qualquer questão prática e concreta mas acho que de um jeito bem mais subjetivo, existem algumas coisas que poderiam ser apenas suficientes. Eu gosto de tomar cerveja naquele copinho americano, de cozinhar o feijão para a semana toda e separar um pouco do caldinho para tomar com ovo de codorna e folhinhas de coentro, enquanto solto um samba na minha playlist. Estar em paz mesmo, só quando estou em casa. Filho com saúde ganha disparado e só se aproxima disso o sorriso na cara de quem acabou de receber as notas da escola ou uma notícia boa que estava sendo aguardada.
A gente faz umas gracinhas, se faz de intelectual e se exibe por aí esperando umas pitadas de atenção onde geralmente é o algoritmo que faz questão de mostrar quem é que manda, não importa quão extenso seja o seu léxico ou qual o nível de profundidade que você experimenta se agarrar. Procuramos tantos resultados numéricos para qualquer coisa que a gente se propõe a fazer, que acabamos esquecendo de olhar para o lado e enxergar quem realmente pode sentir o nosso cheiro, perceber cada um dos nossos inúmeros tipos de sorriso, passar a mão pelos nossos cabelos. O tempo tem um passo apressado e o mundo mudou, isso nós sabemos, mas sempre é tempo de encontrar velhos amigos em uma cafeteria e constatar isso olhando nos olhos deles enquanto segura uma xícara de café expresso extra forte.
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