Parece que faz uma década que eu estive por aqui, e é como se fizesse também o mesmo tempo que estou me procurando. Ando ensaiando um retorno, me buscando em palavras perdidas, ou que ficaram guardadas, no reflexo do espelho do corredor entre os quartos, no cheiro das minhas roupas limpas. Eu nunca sei bem o que é que estou fazendo aqui e como deveria aprender a deixar de lado toda essa instabilidade. Pensando bem, acho que, como o tempo é relativo, ele talvez me ajude um pouco nessa busca exaustiva por qualquer migalha que seja, de um possível reencontro comigo.
É na madrugada que os pensamentos se esbarram, como pequenos insetos batendo na lâmpada, e quando eu abro os olhos pela manhã, naqueles segundos entre me perguntar que dia é, e entender que, mais uma vez, o mesmo dia está prestes a se repetir, eu não saberei exatamente o que é que eu vou encontrar, assim que pisar no chão frio desse dia que amanhece. Quando tudo parece melhorar, eu inconscientemente dou um jeito de encontrar algo que interrompa o fluxo desse progresso, e, sem saber qual é o gatilho, apenas me sinto paralisada. O fato de eu não conseguir nem mesmo denominar as coisas, faz com que tudo fique muito mais sombrio, onde qualquer mínimo feixe de luz tem dificuldade de encontrar uma brecha. Preciso me olhar profundamente, até que dentro de mim eu consiga ver o mar.
Forçar os limites tem sido a minha condição atual. Tudo em mim está à flor da pele, e o que eu mais queria era basicamente sentir a segurança de quem ouve um “vem comigo, no caminho eu explico, vem comigo, vai ser divertido”, de Cazuza. No estado mental em que me encontro, qualquer promessa de diversão já é diversão suficiente. E aí eu escrevo coisas desconexas, impublicáveis, vergonhosas. Se você me perguntar se é necessário tanto, eu não saberei te responder; no máximo, ficarei com raiva no momento em que a pergunta sair da sua boca. Se eu soubesse que poderia sentir menos, será que estaria experimentando essa mesma angústia? Não acho que esteja triste, talvez dispersa por mais tempo do que gostaria, isso sim. Agora, por exemplo, não acho que nada disso que coloquei aqui fará algum sentido para quem está lendo. Eu penso, escrevo, penso, escrevo, e, ultimamente, não confio em quase nada do que se forma. Apenas respeito esse vai e vem da minha consciência e não que considere tudo insuficiente ou impraticável, eu só escolho não me importar tanto.
“Escrevendo, eu falo pra caralho, não é?” disse Caio Fernando Abreu uma vez, e nenhuma outra frase me representou tanto nesses últimos tempos, porque, sim, eu falo e falo e falo, mas nunca tanto quanto eu falo quando escrevo, ainda que você nunca leia todas as minhas palavras. Nem tudo faz sentido na vida real, mas, talvez de um jeito meio onírico, as ideias possam perfeitamente convergir, basta sentir os sons das letras se sobrepondo umas às outras. Uma taça de vinho, uma playlist de jazz, uma pilha de livros e o mais absoluto silêncio ao meu redor. É neste quarto que eu sinto quase chegar perto de quem procuro, mas quando acredito estar perto o suficiente para sentir o calor da minha própria pele, percebo quanto caminho ainda falta; é possível que eu nunca chegue a me encontrar como gostaria. Será que alguém consegue isso verdadeiramente?
Algumas linhas no papel já são suficientes para que eu fique exausta a ponto de querer dormir profundamente em seguida. Descarrego tudo de mim, me lanço no escuro, quase me forço a extrair qualquer coisa que não consiga ficar se amalgamando. E canso, finalmente. Canso como quem acabou de correr uma maratona (e eu odeio correr). Qual o sentido desse diário, afinal, se não for para escrever ciclicamente os pensamentos que gritam e irrompem nas mãos, condicionados a parar em algum lugar entre os dedos e o teclado, neste papel, fazendo dançar o lápis, quase como se ele tivesse vida própria. Minhas mãos servem apenas de instrumento para conduzir qualquer coisa que se forme a partir deste ímpeto de colocar as palavras no mundo. Agora me reconheço, assim, entregue, cansada, agonizando com as palavras que teimam em me deixar, procurando em cada uma delas uma mínima auto representação e me perdendo quase sempre em tudo. Não há mais nada em mim além de uma imensa necessidade de esvaziamento e nem sei se isso é mesmo suficiente. Que seja como tem que ser. Eu continuarei investigando.
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