A pedido do senador Flávio Bolsonaro (PL), filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro (PL), a Justiça de Brasília censurou reportagem do UOL sobre o uso de dinheiro vivo em 51 dos 107 imóveis comprados pela família Bolsonaro nos últimos 30 anos.
Uma liminar concedida pelo desembargador Demetrius Gomes Cavalcanti, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, determinou que o UOL retire do ar duas reportagens e postagens em suas redes sociais com menção às reportagens. O UOL cumpriu a decisão, mas vai recorrer.
“A decisão viola precedentes estabelecidos no sistema jurídico brasileiro e pretende retirar do debate público, às vésperas da eleição, informações relevantes sobre o patrimônio de agentes públicos”, diz a advogada Mônica Filgueiras Galvão.
A primeira reportagem, publicada em 30 de agosto, informa o uso pelo clã Bolsonaro de R$ 13,5 milhões (R$ 25,6 milhões atualizados pelo IPCA) em transações realizadas total ou parcialmente com dinheiro em espécie desde o início dos anos 90.
A segunda reportagem, publicada em 9 de setembro, detalha as evidências de uso de dinheiro vivo em cada uma das 51 transações relatadas pela reportagem, produzida durante sete meses e tendo como base informações colhidas em 1.105 páginas de 270 documentos requeridos em cartórios.
Em sua decisão, o desembargador Gomes Cavalcanti argumenta que a reportagem cita dados de investigação do MP (Ministério Público) do Rio que apontaram o uso de dinheiro em espécie em 17 compras realizadas pelos filhos do presidente Jair Bolsonaro (PL) Carlos e Flávio. O MP aponta o uso de dinheiro do esquema da rachadinha na compra dos imóveis.
Parte dos dados desta investigação do MP, oriundos de quebra de sigilo bancário e fiscal, foram anulados pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) e, por isso, a investigação está sendo refeita pela PGJ (Procuradoria-Geral de Justiça) do Rio.
No entendimento do desembargador Gomes Cavalcanti, por conta disso, os dados não poderiam ser citados em reportagem, mesmo que sejam verídicos e tenham tido origem e status de uso em processo judicial informados no texto publicado pelo UOL.
Em sua decisão, o magistrado desconsiderou o dever da imprensa de informar e o direito da sociedade à informação de interesse público.
“Tais matérias foram veiculadas quando já se tinha conhecimento da anulação da investigação, o que reflete tenham os Requeridos excedido o direito de livre informar. A uma, porque obtiveram algumas informações sigilosas contidas em investigação criminal anulada e, a duas, porque vincularam fatos (compra de imóveis com dinheiro em espécie), cuja divulgação lhes é legítima, a suposições (o dinheiro teria proveniência ilícita) não submetidas ao crivo do Poder Judiciário, ao menos, até o momento”, argumentou o desembargador.
Para o magistrado, a continuidade de divulgação das reportagens pode trazer a Flávio e também ao presidente Jair Bolsonaro, que concorre à reeleição, “prejuízos em relação à sua imagem e honra perante a opinião pública, com potencial prejuízo à lisura do processo eleitoral”.
Ele determina que as reportagens e as menções a ela em redes sociais do UOL sejam apagadas até o julgamento do mérito do caso.
No entendimento do magistrado, o pedido preenche requisitos para concessão de tutela provisória (medida urgente do Judiciário para proteger um direito ameaçado), previstos no artigo 300 do Código de Processo Civil.
Demetrius Gomes Cavalcanti também determina que conteúdo associado à reportagem seja apagado das redes sociais da colunista do UOL Juliana dal Piva, que assina a reportagem com o colunista do UOL Thiago Herdy.
A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) “vê com muita preocupação uma decisão judicial que manda retirar um conteúdo que é baseado em fatos, em documentos”. “Não há nenhuma inverdade nesse conteúdo. A gente acha que o Judiciário extrapola quando toma esse tipo de decisão porque cerceia o debate e impede que as pessoas tenham acesso a informações importantes. Inclusive a inicial, o pedido, é baseado no fato de que essas informações já são públicas”, diz Katia Brembatti, presidente da associação.
UOL