Outro dia eu me peguei pensando: e se eu me afogasse, mas no lugar de morrer, percebesse que poderia ficar submersa, vivendo no fluxo das águas do mar? Como eu faria para voltar pra mim, mesmo que com uma nova forma de ver a vida, agora, debaixo d’água?
Alguns pensamentos me assaltam assim, de repente, como se fosse o susto de um tropeço. A vida humana bem que poderia existir de outras maneiras e camadas, além da terra e da possibilidade do céu e talvez fosse mais fácil aceitar que depois que eu partisse daqui, uma outra vida estaria me esperando, em um novo ritmo, com novas formas. Eu gosto de pensar que o fundo do mar é capaz de me dar exatamente o tamanho da minha insignificância e seria no balé das águas profundas que o meu corpo reconheceria sua nova forma de viver, após a vida em seu atual modelo conhecido.
Uma vez eu li “As águas vivas não sabem de si”, da escritora Aline Valek, e lembrei desse título agora, porque ele se encaixa perfeitamente nessa lista quase interminável de questionamentos sobre a vida e a possibilidade de alguma outra que vem depois desta que conhecemos. E nós? Nós sabemos de nós? Renascer no profundo, oceano interminável de criaturas e substratos, no elegante formato de sino de uma água viva, que passeia, que dança sob as águas e através delas, entre peixes que nunca viram o sol e tudo o que foi engolido pelo desconhecido, por aquilo que é inexplorado. Eu poderia, ainda flutuando, distribuir os poemas que havia feito antes de tudo em mim virar água, e quando aquela criatura ainda consistia em ser metáfora, eu dizia:
você me apaga
eu desapareço no manto
da transparência
e como água viva
eu queimo
e enveneno
me partindo ao meio
quebro as partes em pedaços
enquanto eu acho
que a luz apagou
ela vem e se multiplica
e o que sobra de mim
na voz despedaçada
um tipo de esforço engasgado
insiste em voltar à superfície
porque além de queimar
eu quero gritar
em todos os tons
eu existo
estou aqui
apesar
da indesejável
indiferença
Eu sei da impossibilidade deste pensamento. É tudo aparentemente infantil e fantasioso, mas seria uma tragédia se eu não permitisse me apegar a possíveis outros mundos inventados, que apaziguam o medo do inevitável, em descompasso com as regras rígidas de uma vida concreta, frívola e em preto e branco.
Perambulo pelo estranhamento, caminho pelos trechos mais difíceis, enfrento todas as sombras porque sei que no fim das contas eu terei a mim mesma como companhia no meu próprio mundo imaginário. Quando escuto em “Tempo rei”, do deus Gil, que “não me iludo, tudo permanecerá do jeito que tem sido. Transcorrendo, transformando. Tempo e espaço, navegando todos os sentidos”, absorvo a certeza de que a realidade é uma mera distração.
Viver na terra firme seria absolutamente dispensável se fosse possível morar entre as águas e eu sinto que permaneceria feliz tanto quanto tento ser na vida que tenho aqui nesta existência. Eu morreria para renascer e seria uma maravilha poder desacelerar em um mundo que não finge ser habitável. Ele simplesmente vive em si mesmo. Assim como eu também viveria.
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