A Prefeitura de Maceió (AL) gastou R$226 milhões dos recursos recebidos como indenização da Braskem para comprar um conjunto hospitalar privado ainda em obras, com alguns andares sem piso, revestimento ou equipamentos médicos. Mesmo assim, usou a aquisição para anunciar, com pompa, que irá entregar o espaço para a rede pública no primeiro trimestre de 2024.
O prefeito João Henrique Caldas (PL) promete oferecer 220 leitos para a população. Hoje, no entanto, só 93 estão em funcionamento, segundo o Ministério da Saúde. É um número menor do que a metade planejada. Questionada pelo Metrópoles, a administração municipal não explicou como se dará a ampliação dentro desse curto espaço de tempo.
O investimento foi efetivado em setembro e envolve uma dupla de desapropriações. Agora, dois prédios ligados a uma unidade particular, o Hospital do Coração, passarão a ser da prefeitura. Os edifícios são conectados por uma passarela. Em um deles, orçado em R$180 milhões, funcionava o hospital em si. No outro, avaliado em R$86 milhões, há 10 andares para exploração de salas comerciais e consultórios – a grande maioria desocupada e sem acabamento.
Como forma de ampliar a capacidade do empreendimento, o município lançou mão de uma manobra controversa. Como registrado por vereadores que fizeram uma vistoria no espaço, uma empreiteira contratada pelos antigos donos da unidade, a Cavalcante Peixoto, é que está realizando as reformas no endereço. “Representantes da prefeitura, que acompanharam a visita, disseram que os ex-donos do hospital é que estão fazendo as obras de melhoria. Compramos uma perspectiva de hospital”, afirma o vereador João Gabriel, o Joãozinho, do PSD local.
“Não é bem-vista”
O dinheiro veio do acordo firmado entre a prefeitura e a mineradora em julho deste ano, homologado na Justiça Federal e prevendo o pagamento de R$1,7 bilhão a título de indenização por danos causados à cidade. Depois de décadas extraindo sal-gema do subsolo de Maceió, a empresa gerou um afundamento de bairros. Mais de 60 mil pessoas tiveram que sair de suas casas nos últimos anos.
“A forma como essa benfeitoria chega não é bem-vista”, afirmou Maurício Sarmento, membro da coordenação do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem. “Um hospital é bem-vindo. Mas não desse jeito. É um negócio suspeito e relâmpago, que não foi feito às claras”, diz.
O Metrópoles apurou que a Promotoria de Fazenda Pública do MPE-AL abriu um procedimento investigatório na área cível que colhe informações sobre um suposto superfaturamento. Os beneficiários pelas desapropriações já foram solicitados a prestar esclarecimentos sobre o negócio. Após essa fase, o promotor dará início a uma apuração sobre eventuais irregularidades praticadas pela prefeitura.
Processo relâmpago
Os estudos técnicos para a transação na Saúde começaram em setembro. Os termos de desapropriação foram assinados no dia 28 daquele mês, e o pagamento integral, de R$266 milhões, foi feito no dia seguinte. Tudo de forma célere.
O primeiro prédio era da empresa Cardiodinâmica, e o segundo, do Centro Médico HCor Empreendimentos Imobiliários. Apesar de terem CNPJs diferentes, as duas empresas são ligadas, tendo uma mesma médica como sócia, e foram representadas no termo de desapropriação pela mesma pessoa.
/Metrópoles