Ana Júlia Gomes e Natália Barros
Encerrou-se mais um capítulo do desastre socioambiental que abalou Maceió. Com os trabalhos finalizados, a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Braskem apresentou seu relatório na semana passada, pedindo o indiciamento de pessoas ligadas à empresa e a órgãos públicos, revisão dos acordos feitos com os moradores e mudanças na lei para garantir a real fiscalização do setor.
Na manhã desta terça-feira (21), o relatório final da comissão foi aprovado por unanimidade pelos membros do colegiado. De acordo com o relator, o senador Rogério Carvalho, a principal mudança adicionada ao documento foi o trecho que cria uma taxa de fiscalização do setor minerário.
Apesar de ter recebido críticas ao longo das semanas de trabalho, principalmente com o cancelamento de depoimentos de ex-moradores e vítimas, o fim da CPI da Braskem traz também uma sensação de alívio e o encerramento de mais uma etapa na luta por justiça.
Segundo alguns representantes dos bairros atingidos por esse que já é considerado o maior crime socioambiental em área urbana no mundo, diante de todas as informações presentes no relatório, a força-tarefa do Caso Braskem nunca deveria ter firmado um acordo com a mineradora, extinguindo uma ação civil pública tão importante.
“Os moradores de Flexais receberam uma mísera indenização de 25 mil reais por núcleo familiar, uma compensação que mal cobre o passado, o presente e o futuro. Hoje, nossa vida saudável desapareceu, e qualquer conversa na mesa de jantar, inevitavelmente gira em torno do crime da Braskem”, lamentou Maurício Sarmento, ex-morador e vítima.
Embora a CPI tenha conseguido realizar um trabalho inédito, que era esperado dos Ministérios Públicos Federal e Estadual, da Defensoria Pública da União e da Polícia Federal há pelo menos seis anos, a questão envolvendo a Braskem é considerada complexa e que necessita de mais tempo para trabalhar melhor outros aspectos relevantes.
INCONSISTÊNCIA
Para sustentar a tese de que não havia evidências suficientes para atribuir culpa em relação às denúncias das vítimas, a Braskem contratou estudos de empresas como a Diagonal e a Tetra Tech para produzirem diagnósticos a seu favor.
O Diagnóstico Técnico-Participativo do Plano de Ações Sociourbanísticas (PAS), desenvolvido pela empresa Diagonal, está no centro das críticas dos movimentos de vítimas da mineradora e pesquisadores.
Os questionamentos são direcionados ao viés interpretativo da Diagonal, que apresenta muitas lacunas, desde a insuficiência de dados até manipulação de linguagem para minimizar a responsabilidade da Braskem. Além disso, a metodologia utilizada foi considerada inadequada, o que levanta dúvidas sobre a veracidade e independência do estudo.
Um documento divulgado pelos pesquisadores Marcos Bomfim e Neirevane Nunes traz apontamentos sobre o estudo ambiental de identificação e avaliação dos impactos da atividade mineradora realizado pela empresa Tetra Tech.
Para os especialistas, o estudo utiliza o termo “lagoa” erroneamente ao se referir à Laguna Mundaú, que é um estuário conectado ao mar. Ainda, os dados de salinidade apresentados possuem algumas limitações, pois coletas foram realizadas em momentos distintos de maré, o que dificulta a comparação direta entre as análises.
Além disso, o diagnóstico não abordou adequadamente os impactos dos metais pesados (alumínio, ferro, manganês, etc.) provenientes da mineração de sal-gema. A presença desses metais pode afetar a saúde dos organismos aquáticos e das pessoas que consomem o pescado da região.
Bomfim e Nunes afirmam que documentos comprovam graves inconsistências presentes nesses diagnósticos, demonstrando a necessidade de trabalhos realmente independentes.
VÍTIMAS SÃO SILENCIADAS
Após longa espera por justiça e reparação, os ex-moradores da região afetada pela exploração do solo e aqueles que ainda residem nas áreas de borda, como o bairro dos Flexais e Bom Parto, acusam a empresa de perseguir e silenciar as vítimas.
Segundo eles, “as vozes das pessoas afetadas muitas vezes são desacreditadas ou deslegitimadas. Várias lideranças sofrem perseguição, seja através de ataques pessoais, retratando-as como oportunistas ou mentirosas, ou questionando sua credibilidade”.
Uma ex-moradora, que preferiu não se identificar, afirmou que “a Braskem usa de influência econômica, política e institucional para coagir e intimidar as pessoas afetadas por ela e força a população a aceitar uma condição que viola seus direitos”. Ela menciona que o Bom Parto, os Flexais, Quebradas, Marquês de Abrantes e Vila Saem são comunidades “condenadas a uma viver numa situação desumana nas bordas do mapa de risco”.
Apesar de estar longe de uma solução definitiva, o Caso Braskem suscita reflexões e continua nutrindo esperança aos ex-moradores:
“Não nos resignamos. A comunidade dos Flexais se uniu em uma luta incessante por indenizações justas, que nos permitam reconstruir nossas vidas em outros lugares. Organizamos protestos, buscamos apoio jurídico e mobilizamos a opinião pública. Nossa batalha é por reconhecimento e dignidade, para que possamos superar essa tragédia e retomar nossas vidas em um ambiente seguro e saudável”, conclui Maurício Sarmento, ex-coordenador do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem.