Impressionado com a robustez da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse, ontem, que o inquérito da Polícia Federal sobre a investigação da tentativa de golpe de Estado é “exemplar” e com todas as provas necessárias para a análise do caso. O decano avaliou a situação como mais complexa do que o Mensalão — o julgamento mais longo da história da Corte, que teve 53 sessões, em 138 dias.
“É algo que, se formos buscar uma comparação, por exemplo, com o Mensalão, vamos dizer: poxa, é algo — ainda que tenha a ver com democracia e liberdade de voto — totalmente diverso. A gravidade, portanto, dos fatos narrados é qualquer coisa de especial, e que se tem avançado tanto”, frisou, em conversa com jornalistas no Tribunal.
A PGR denunciou o ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 33 pessoas por atos contra os Três Poderes e o Estado Democrático de Direito. Segundo o órgão, o ex-chefe do Planalto tinha ciência e participação ativa em uma trama golpista para se manter no poder e impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.
A denúncia destaca um plano de assassinato contra autoridades e o apoio aos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023 como a última cartada do grupo criminoso. Também foram denunciados o ex-ministro e ex-vice na chapa de Bolsonaro em 2022, o general Walter Braga Netto; e o ex-ajudante de ordens tenente-coronel Mauro Cid.
O decano elogiou o trabalho da Polícia Federal na elaboração do inquérito. Na avaliação dele, o documento foi desenvolvido com maestria, com a recuperação de documentos, áudios e mensagens, que reconstituem o que ocorreu.
“São elaborações muito bem-feitas. Temos a parte da documentação também e que foi guardada nos celulares, no computador; então, nós não temos, em princípio, que cogitar nada de teoria especial. Acho que, de tudo que eu já vi ao longo desses anos de inquérito, é um trabalho exemplar da Polícia Federal. Ela se dedicou com muita maestria a pegar informações nas nuvens e recuperá-las”, frisou.
Defesas no STF
A defesa de Bolsonaro pediu a exclusão dos ministros Cristiano Zanin e Flávio Dino da análise da denúncia. Os advogados argumentam que os magistrados devem ser declarados impedidos de julgar o caso porque já moveram ações na Justiça contra o ex-presidente. Também solicitaram a extensão do prazo de 15 para 83 dias.
Para Gilmar Mendes, as estratégias das defesas dos envolvidos em tentar postergar o prazo das alegações não devem atrapalhar o trâmite do processo na Corte.
“Não vejo que isso vá funcionar, mas é natural e é legítimo que se faça. Não parece que haja razão para a suspeição ou o impedimento. Somos um colegiado muito pequeno, então, o debate sobre impedimento ou suspeição, se nós formos muito concessivos nessa matéria, daqui a pouco falta gente para julgar. Você supõe que sejam pessoas que têm capacidade de autonomia para distinguir situações e não fazer confusões de caráter pessoal”, declarou.
A defesa de Braga Netto também solicitou que o STF reconheça a suspeição do ministro Alexandre de Moraes e que o Tribunal indique outro relator para o caso. Para os advogados, como a PGR imputa ao ex-ministro o financiamento do plano chamado de Punhal Verde Amarelo — que previa o monitoramento e até a assassinato de autoridades, inclusive, o próprio Moraes —, a imparcialidade necessária para o julgamento pode ser comprometida.
A denúncia do golpe está nas mãos da Primeira Turma do STF. A expectativa é de que os envolvidos tornem-se réus por unanimidade. O colegiado é composto por Moraes, relator, além de Luiz Fux, Cármen Lúcia, Flávio Dino e Cristiano Zanin. Esse último é o presidente da Turma e deverá marcar a data quando o caso for liberado para julgamento.
Os ministros Nunes Marques e André Mendonça, indicados pelo ex-presidente, ficarão fora do julgamento, pois pertencem à Segunda Turma, assim como Gilmar Mendes, Edson Fachin e Dias Toffoli. Antes do julgamento na Primeira Turma, são necessários alguns ritos procedimentais, como abertura de prazo para contestação das defesas.
Gilmar se colocou a favor de manter o julgamento na Primeira Turma e afirmou ser difícil prever quando o caso vai ser encerrado. “Não tenho condições de fixar (uma data). Certamente, depois da feitura das defesas prévias, vai voltar ao relator, que vai examinar, preparar e pautar o recebimento ou não da denúncia.”
/Correio Braziliense