Levanta sem despertador e por isso mesmo leva algum tempo até despertar de verdade. Pega o celular, acessa as redes sociais, vai ler as primeiras notícias do dia. Se arrepende disso, e como em todos os outros dias, pensa que ler um livro poderia ser a primeira coisa que tinha que fazer no seu dia, prometendo que amanhã vai começar a mudar esse hábito de mexer no celular assim que acorda. Sem fome, demora alguns minutos, às vezes até uma hora para colocar a água no fogo e passar o café. Ouve o silêncio começar a ser quebrado pelo dia que nasceu há poucas horas, e os passarinhos do vizinho, junto com aqueles outros que estão pelo céu só de passagem, começam a se comunicar uns com os outros, como se estivessem avisando “ainda estou aqui” e tudo parece fazer sentido, porque “estar aqui” é a maneira mais consciente de mostrar que se está presente na vida.
A água do café ferve, ela não sabe se faz omelete, tapioca ou torradas. Lembra dos potinhos de arroz e feijão que precisa tirar do congelador para que consiga descongelar a tempo de servir o almoço ao meio-dia em ponto, pois a criança tem horário exato para sair pra escola com o transporte escolar. Enquanto o omelete está dourando na panela (foi omelete mesmo que ela escolheu), abre a geladeira, tentando ver o que dá para salvar dos vegetais. Por que ficam passados tão rápido? Salada crua ou refogada? Fazer uns legumes temperados no forno pode combinar melhor com o frango grelhado. Tem batata ainda, mas aquele pedaço de abóbora daqui a pouco vai ficar imprestável. Ok. Purê de abóbora e batatas gratinadas. Vira o omelete na panela (ou seria A omelete? Google, pesquisar: “O Aurélio registra A OMELETE. O dicionário Houaiss e o Vocabulário Ortográfico da ABL consideram OMELETE um substantivo de dois gêneros: O OMELETE e A OMELETE”). Passa o café, coloca o açúcar na mesa, tem mamão bem maduro, banana e maçã, lembra da frigideira, corre para apagar o fogo, quase queimou, deu tempo de tirar, ainda bem!
Liga a tevê, está passando o jornal local. Repórter na rua, moradores denunciando falta de água, buracos nas ruas que provocam acidentes. O Secretário de saúde dá entrevista, fala de pontos de vacinação, reforça os cuidados com a covid, a câmera volta para o estúdio, vai ter exposição de fotos, feira de livros, oficinas culturais. A apresentadora fala de um crime político não solucionado, uma operação policial contra empresas de fachada e dos resultados do futebol da noite anterior.
Ela coloca os pratos na mesa. Copo, água, granola, escolheu o mamão para comer no café da manhã de hoje. Traz as canecas com café fumegante, o omelete com o queijo derretido, olha para o remédio para hipertensão que deve tomar todos os dias e que já fica no cantinho da mesa encostado na parede, para não ter risco de esquecer. A criança ainda dorme, o marido chega da corrida matinal, ela diz que de hoje não passa para recomeçar as aulas online de ioga. O café vai esfriar. É só um banho rápido, já volto. Eles sentam para comer, acaba um jornal e começa o outro. Dessa vez as notícias vêm com mais força. Esse país tá desmoronando, ela comenta. Desliga a televisão, nada novo de novo. Liga a vitrola, e moderna que é, coloca a playlist pra rolar pelo bluetooth. Vamo acordar, vamo acordar! O dia nasceu, muito sol e meio mundo de coisas a fazer. Banho, dobra os lençóis, forra a cama, liga o computador. Como a água do café, o dia já ferve e o teclado está lá esperando.
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