De tempos em tempos preciso me forçar a lembrar que é o ofício de escrever que me faz perceber que estar presente no mundo faz algum sentido para mim mesma. De tempos em tempos eu procuro partes de mim em rabiscos, cadernos e bilhetes, em papéis rasgados e rascunhos nas notas do supermercado. Muitas vezes eu fico perdida no que achava que sabia. Fico me perguntando se sei mesmo fazer aquilo que me preparei a vida inteira, se ainda consigo aplicar crases, usar sinônimos ou usar as vírgulas do jeito certo.
São muitos os momentos em que eu me sinto mais presa do que livre. Não é confortável sentir-se febril constantemente, sem poder lançar para fora tudo aquilo que se neblina dentro de mim. De tempos em tempos, eu sinto que estou próxima de despencar no abismo vazio e silencioso. O que importa mesmo é o que ressoa.
Sim, a qualquer momento eu posso recorrer a Marguerite Duras ou algum escrito de Virginia Woolf que tenta acomodar as nossas dores, e agonias, e aflições na escrita. Mas por vezes as palavras são insuficientes, muito mais do que eu gostaria. Faço cálculos mentais para saber quanto tempo mais eu consigo me manter nessa corda bamba, me equilibrando entre a tontura e a náusea.
Todas as vezes que me distancio do lápis, do papel, daquele atrito do corpo suado na cadeira do escritório, a minha cabeça dói e perco de vista quase todas as coisas importantes. Eu não sei por onde começar a me revisitar, entende? Sou feita de efeitos colaterais. Está tudo bem, eu digo a mim mesma, eu sei que sei fazer isso. Por que então abro espaço para a dúvida e me desconcentro tanto, a ponto de deixar as distrações me enfraquecerem?
Me sentir fragilizada e afastar as coisas que me curam, ou que poderiam curar, pelo menos, é senso comum pra mim agora. É que tudo anda prosaico demais, analítico demais. Tem algo a ver com o inverno, eu acho. Passo tempo demais sendo cinza.
Eu me pergunto se já soube mesmo fazer poema em algum momento. Cada palavra, o ensaio de um gesto, cada dúvida e todas as trilhas sonoras. Tudo isso foi real? Eu tenho medo de não fazer minimamente melhor a partir de agora.
De tempos em tempos, eu penso se minha assinatura ainda é a mesma e se essa solidão voltará algum dia a se transformar em palavra. Observo, aflita, o derretimento das letras, o derramamento de sentimento, a morte de quem eu era, o nascimento de uma frase. A cada enter, o broto de um novo parágrafo.
Essas pequenas mortes que tantas vezes me levaram a lugares desconhecidos, me fazem entender que, mesmo quando volto para mim, só consigo olhar para o nada e ver um amontoado de coisas inalcançáveis. Só escrever me basta. Sou feita de dúvidas e medos. É isso ou nada.
É quando estou quase desaparecendo, que tento me agarrar a qualquer partícula de existência e essa massa desconhecida que carrego dentro de mim, tão subjetiva a ponto de se dissipar a qualquer momento, ensaia possíveis retornos até que eu possa me reconectar completamente. Não quero bancar a mística, nem fazer da minha escrita uma magia. Nada é sublime. Eu faço força, é quase sempre cansativo, dolorido, e desnorteante o caminho de volta. Tudo me irrita, a visão embaça, quero largar as coisas pelo caminho. Desconheço para onde estou indo, volto desatenta.
Faço uma longa pausa pro café, alongo a coluna e mudo a playlist. Abro os antigos arquivos, releio trechos perdidos e encontro frases apartadas. Digo de novo tudo o que já falei, reescrevo os medos, edito a melancolia. Sinto raiva do abatimento que me torna pesada. Experimento a frustração. Estou ressentida pela dúvida, por achar que não sei mais o que sabia antes, perco o discernimento.
Exatamente neste momento, faço as pazes com a poesia.
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