No litoral de Alagoas e Pernambuco está localizada a maior unidade de conservação marinha do Brasil, a Área de Proteção Ambiental (APA) Costa dos Corais, um paraíso submerso ameaçado. Pesquisadores identificaram a morte de cerca de 80% dos corais nas áreas de recifes rasos, desequilíbrio que põe em risco não só a biodiversidade, mas também a pesca e o turismo.
A barreira de corais é uma das maiores do mundo e abriga milhares de espécies que vivem nos mares, rios e manguezais ao longo de cerca de 130 km de extensão, de Tamandaré (PE) a Maceió.
“A gente vai ter impacto sobre os peixes, sobre a população e também sobre toda a cadeia do turismo. Alagoas é um exemplo claro disso, que tem um ponto forte no turismo devido aos recifes de corais, várias pessoas dependem diretamente disso e extraem seus recursos de subsistência dos recifes”, alertou o biólogo Robson Santos, coordenador do Laboratório de Ecologia e Conservação (Ecoa) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
Os corais são organismos vivos que estão passando por um processo severo de branqueamento devido ao aquecimento das águas do oceano (entenda abaixo). O fenômeno não mata os corais imediatamente, mas a poluição e o turismo desordenado aceleram essa degradação.
“A pesca artesanal depende dos recifes saudáveis, não apenas para a manutenção de uma atividade econômica, mas também para manter o seu modo de vida e cultura”, disse o pesquisador Robson Santos.
O alerta é resultado do monitoramento feito entre setembro de 2023 e novembro de 2024 pelo Ecoa em parceria com o Projeto Conservação Recifal.
Seu José do Carmo, conhecido como Zezinho, trabalha há 40 anos como jangadeiro nas piscinas naturais de Maceió e faz uma retrospectiva de como percebeu o branqueamento dos corais ao longo dos últimos anos.
“Está piorando a cada dia, antes passava pelos corais e as pedras eram de um tom laranja, colorido, agora está tudo ficando branco, eles estão morrendo. Me pergunto o que a próxima geração vai ver, meus netos e os filhos dos meus netos?”, lamentou o jangadeiro.
Na outra ponta do estado, na Praia de Antunes, em Maragogi, Andréia Lopes trabalha catando massunim, um molusco típico na gastronomia da região. Por encontrar no mar sua fonte de renda, sabe a importância da preservação.
“Tem muita gente que não dá valor ao que tem. A gente que é nascido e criado aqui tem que dar valor ao que tem”, disse Andréia.
Medidas de preservação
A atividade turística na APA dos Corais pode ser realizada, desde que seja regulamentada. Protegida por decreto federal, a área está sob gestão e fiscalização do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
O ordenamento do turismo deve observar as seguintes normas:
- limites de carga para visitação
- infraestrutura sustentável
- fiscalização eficiente
Para garantir a preservação e a recuperação de áreas mais críticas na Costa do Corais, órgãos de fiscalização recorrem à Justiça. Na Lagoa Azul, uma piscina natural de Maragogi conhecida como ‘Caribe brasileiro’, a atividade turística foi proibida após uma ação do Ministério Público Federal (MPF) que alegou que a pressão humana comprometia o ecossistema.
A decisão suspendeu um decreto da prefeitura que permitia o turismo em massa na Lagoa Azul. O Município informou que vai recorrer.
A prefeitura de Maragogi disse ainda que faz fiscalizações, mantendo a capacidade máxima das piscinas sob controle e assegurando que a visitação não cause danos ao meio ambiente. Ressaltou também que todas as piscinas naturais nas 10 outras praias do município continuam com a visitação normal.
De acordo com o ICMBio, cinco piscinas naturais de Maragogi que têm o turismo regulamentado receberam 300.177 visitantes somente no ano de 2024.
Para o biólogo Robson Santos, “as atividades de turismo, se não reguladas, geram impactos diretos aos recifes, como o pisoteio e quebra de corais, poluição das águas por resíduos de combustível das embarcações, plástico, resíduos de protetores solares, bronzeadores e outros cosméticos”.
Monitoramento e recuperação dos corais
Para acompanhar a saúde dos recifes, pesquisadores fazem o monitoramento constante na APA da Costa dos Corais, com auxílio de tecnologia para mapear as áreas que precisam de maior atenção.
“Em Maragogi, a gente usa o mergulho científico como técnica. Usa fotografia de alta definição para fazer análise do tecido desses corais e comparar se eles estão vivos, doentes ou se estão mortos”, explicou o professor Ricardo Miranda, da Ufal.
Pesquisador do ICMBio, Pedro Pereira reforçou que, apesar de lenta, a recuperação dos recifes de corais é possível se a temperatura dos oceanos voltar a esfriar. “O branqueamento não é necessariamente a morte dos corais. Eles podem branquear e acabar retornando com saúde no final, mas é importante que um monitoramento seja feito de forma efetiva”.
Mas também são necessárias ações de enfrentamento globais e locais. Além de controlar a poluição e a temperatura da água, a criação de áreas marinhas protegidas, o cultivo e o transplantio de corais saudáveis também são soluções apontadas pelos pesquisadores.
“O estrago foi muito grande, não basta somente depender da recuperação natural. A gente vai depender também de um movimento mais ativo, de melhorias das condições ambientais, associadas a iniciativas de recuperação dos próprios recifes. Como indivíduos, a gente tem que apoiar políticas que estão relacionadas às mudanças climáticas”, afirmou o pesquisador Robson Santos.
Preservar as tradições locais ao passo que se alinha experiência turística com consciência ambiental é uma saída para um turismo sustentável, possibilitando o impulsionamento da economia com a transformação de um turismo ecológico.
“As atividades de turismo sustentável são necessárias para que não coloquemos tudo a perder, os recifes de coral, os empregos e renda provenientes do turismo e o modo de vida das populações tradicionais”, explicou o biólogo.
Um exemplo de turismo sustentável está dentro da própria APA dos Corais, no município alagoano Porto de Pedras. Lá, a Associação Peixe-Boi, formada por ribeirinhos, pescadores e moradores da região, realiza um trabalho de conscientização ambiental por meio do turismo de observação, de projetos de educação ambiental e do envolvimento da comunidade nas atividades turísticas.
Ações como essa podem ser replicadas em toda a Costa dos Corais para conectar as pessoas aos ambientes naturais respeitando os limites dos ecossistemas. Só assim será possível evitar que uma situação já tão grave fique ainda pior.
“Sem dúvida a gente está presenciando a maior mortalidade de corais já registrada nos recifes brasileiros”, lamentou o pesquisador Ricardo Miranda.
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