Israel Lessa
Ex-superintendente Regional do Trabalho em Alagoas
“Dizem que depois da tempestade vem a bonança. Mas, infelizmente, esse ditado não será verdade após os efeitos devastadores da pandemia. A falta de diretrizes claras e a omissão dos governos, inclusive da prorrogação dos benefícios emergenciais e da suspensão dos contratos de trabalho, vão causar muitos problemas quando o COVID-19 passar.
As disputas políticas entre o abrir e fechar estabelecimentos comerciais já estão causando o efeito ioiô em alguns Estados. Em um dia, se anuncia a abertura e no dia seguinte, por causa da disparada no aumento de mortes, os gestores voltam atrás e proíbem tudo novamente.
Além do desgaste emocional de toda essa confusão, não há segurança jurídica para a manutenção das atividades de modo economicamente viável, anunciando o que vem por aí: um tsunami de judicializações, de conflitos provocados pela bagunça promovida pelo poder público.
No mundo do trabalho não será diferente. Avançamos para uma super judicialização dos conflitos laborais. E, sem dúvidas, um dos problemas será a contaminação das pessoas no ambiente de trabalho. O adoecimento dos trabalhadores pelo COVID-19 vai dar o que falar nos pedidos conhecidos como “danos morais” na Justiça do Trabalho.
E quando for recorrer à Justiça, o trabalhador vai perceber como o seu direito vem sendo arruinado durante anos. A Reforma Trabalhista foi extremamente restritiva quanto às indenizações sobre os danos extrapatrimoniais, os conhecidos danos morais.
Vamos imaginar a seguinte cena: dois profissionais de saúde morrem em Alagoas decorrente da contaminação do COVID-19 em seus respectivos ambientes de trabalho. O primeiro é um auxiliar de enfermagem, cuja remuneração é um pouco mais do que o salário mínimo, o segundo é um médico, cujos ganhos são bem maiores que a média paga aos demais trabalhadores alagoanos.
Quanto você acha que vale a vida de um ser humano? É justo a viúva do auxiliar receber uma indenização infinitamente menor do que a do médico? Pois é justamente isso que a reforma trabalhista possibilitou. Uma tirania sem tamanho ao medir o valor da indenização ao salário do empregado.
Outro absurdo é limitar, estabelecer um teto sobre esses valores de indenização. Segundo a CLT, a vida de ambos, auxiliar de enfermagem e do médico, só vale 50 salários contratuais.
E não é só a saúde e a integridade física dos trabalhadores que estão condicionados a esses limites. Reparações quanto à honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima e a sexualidade também possuem os mesmos critérios restritivos.
Dessa forma, o mesmo absurdo acontece nos casos de assédio sexual no qual a indenização paga a faxineira será bem menor do que a devida à trabalhadora de escolaridade de nível superior, ainda que o assediador seja o mesmo e tenha realizado a ofensa da mesma forma para ambas as empregadas.
Lembro que, em tempos de COVID-19, as condições de contágio nos ambientes de trabalho e a inexistência de proteções efetivas também podem vir a motivar demandas de indenizações quanto à danos.
A pandemia agravou o ambiente de trabalho e os governos federal e estadual estão colocando mais tempero nesse caldeirão. Ao invés de segurança jurídica, instabilizam ainda mais o já conturbado cenário dando causa uma série de possíveis ações judiciais.
Até o Presidente da República entrou no embalo. A justiça o condenou recentemente a usar máscara, pois seu mau exemplo é uma má influência para todos os brasileiros. O descumprimento dessa decisão, inclusive, pode acarretar multa diária de R$ 20.000,00.
É preciso responsabilidade, governantes!”