No final de 2019, a carioca Nathalia Almeida fez que fez até vencer pelo cansaço. Mandou mensagens e directs em redes sociais insistentemente até conseguir uma resposta positiva.
– Tudo bem, pode vir treinar comigo – escreveu o destinatário da enxurrada de apelos da nadadora.
A ordem, ou melhor, o aval partiu de Shane Tusup, norte-americano que foi marido e treinador da húngara Katinka Hosszu, nadadora que ficou famosa pelo apelido de “Dama de Ferro” em razão de sua capacidade de disputar um sem número de provas em campeonatos da modalidade.
Katinka conquistou três medalhas de ouro nas Olimpíadas do Rio sob comando de Tusup. Depois de cinco anos de muito sucesso nas piscinas e badalação na vida pública, ambos se separaram em 2018. Sem ter sua joia em mãos, o treinador criou um grupo de alta performance e foi nele que Nathália cavou um lugar.
– O Shane já estava separado da Katinka. Fui treinar com ele no fim de 2019, numa cidade chamada Eger, na Hungria, e a intenção era fazer o ciclo olímpico todo lá. Fiquei uns sete meses, mas acabei tendo que voltar para o Brasil por causa da pandemia. Depois não consegui voltar para a Hungria – lembrou Nathalia, mais conhecida no cenário esportivo nacional como Naná.
Daquela aventura no Leste Europeu, a brasileira trouxe alguns avanços técnicos, mas o maior legado – provavelmente para sempre – foi um desafio em equipe que levou a uma transformação. Tusup e os outros nadadores com os quais treinava decidiram entrar em uma dieta vegana, o que supostamente traria benefícios.
– O Shane conversou comigo dizendo que ele e o grupo iam virar veganos, que havia vários artigos que provavam que era melhor para a performance. Eu pensei: “poxa, estou me mudando para o outro lado do mundo, vamos tentar” – pensou Nathalia.
Da estranheza inicial, ela percebeu que o estilo de vida carregava consigo uma mentalidade de preservação aos animais e de sustentabilidade. Perdeu peso, ganhou massa magra e viu que a sensação era de satisfação, e não obrigação.
Mesmo já de volta ao Brasil em meio à primeira onda da pandemia do novo coronavírus, decidiu manter a pegada. Hoje, avalia que a transição para o veganismo foi um trunfo para quem precisou recomeçar. Naná voltou a treinar no Flamengo, seu clube, e passou a trabalhar com outro treinador, Fernando Possenti, que havia anos fazia um trabalho admirável com a campeã olímpica da maratona aquática em Tóquio, Ana Marcela Cunha.
A soma dos fatores múltiplos e desconexos como o veganismo e a volta ao país sob comando de Possenti ajudaram a lapidar uma das nadadores mais regulares da seleção brasileira na atualidade. Naná assegurou em abril lugar em sua primeira edição de Jogos Olímpicos – disputou as eliminatórias do revezamento 4x200m livre – e, na volta de Tóquio, emendou o Troféu José Finkel, que foi seletiva para o Campeonato Mundial em piscina curta (25m) que ocorrerá em Abu Dhabi, em dezembro.
No Finkel, realizado em Bauru, ela obteve quatro índices individuais que a garantiram no torneio nos Emirados Árabes Unidos. A comemoração foi com pizza na cidade do interior paulista. Uma vegana, é claro.
– Nunca havia conseguido um índice individual para a seleção e vieram quatro, então fiquei muito feliz. Nas Olimpíadas, trouxe um aprendizado muito positivo. Comecei a perceber que os atletas são pessoas normais como todo mundo. Vendo pela TV, a gente acha que são super heróis, mas na verdade são pessoas comuns, que treinam e são esforçadas. Fiquei com isso na cabeça – disse.
É o melhor momento da carreira da jovem de 24 anos, que começou a nadar com dois por influência dos pais, que são profissionais de Educação Física. E que, no início, nem vislumbrava um horizonte como atleta profissional.
– Eu era uma criança muito perdida, não sabia da importância das competições. Por exemplo, não sabia o que era o Troféu Chico Piscina – comentou, em alusão a um dos principais campeonatos de categorias de base no Brasil.
Se está tudo nos conformes, não falta nada, correto? Na verdade, errado. Naná, uma das poucas atletas do país a adotar o veganismo, ainda vê dificuldade para encontrar condições de manter uma alimentação sem consumo algum de origem animal nas andanças aqui e no exterior.
– No Troféu José Finkel foi bem complicado para todo mundo. Tinha dia que não tinha legume, o que para mim era bem complicado. Eu comia macarrão com feijão, e só. O que eu tive que fazer foi botar mais suplementação de proteína – contou.
Normalmente, no dia a dia, ela monta o prato em torno de algum legume verde escuro para garantir uma reserva de ferro. Complementa-o com arroz e feijão, uma proteína de soja, grão de bico, ervilha e alguma oleaginosa, tudo indicado por nutricionista. Mas, nesses dois anos de veganismo, ela já aprendeu que toda precaução é bem-vinda.
GE