Da Redação com Agências
Alagoas, o estado de origem do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), foi a unidade da federação que recebeu mais empenhos (reservas para pagamento) de emendas parlamentares vinculadas ao FNDE (Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação) entre janeiro de 2021 e este mês. É o que mostra levantamento feito pelo portal de notícias UOL no sistema Siga Brasil, mantido pelo Senado. A Folha de Alagoas apurou os dados e verificou a veracidade dos fatos.
Comandado por Marcelo Ponte, ex-chefe de gabinete do ministro da Casa Civil, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), o FNDE tem um orçamento de R$ 42 bilhões, mas cerca de R$ 1 bilhão é destinado a emendas parlamentares, individuais, coletivas ou do chamado “orçamento paralelo”, alvo de suspeitas de corrupção do governo Bolsonaro.
Prefeituras, fundações e empresas de Alagoas superam R$ 100 milhões em empenhos, dos quais já conseguiram receber mais de R$ 40 milhões do FNDE. Praticamente tudo foi feito com “orçamento paralelo” utilizado pelo governo Jair Bolsonaro para engordar os recursos destinados a aliados no Congresso para projetos em suas bases eleitorais. A farra com dinheiro público é grande, como apontou a última manchete da Folha, ao apontar a ligação de Lira e do empresário Edmundo Catunda.
O fundo de educação está no centro das suspeitas de corrupção do MEC (Ministério da Educação) e que levaram à exoneração de Milton Ribeiro do comando da pasta no final de março — após denúncias de privilegiar pastores em um esquema informal de obtenção de verbas na Educação a pedido do presidente Jair Bolsonaro (PL).
No orçamento paralelo, o nome do parlamentar que é o verdadeiro padrinho das emendas, chamado “de relator” ou “RP9”, é omitido com frequência. Mesmo após decisão do Supremo Tribunal Federal, a identificação dos parlamentares que bancam as indicações não aparece, mas só consta a de quem fez o pedido de verba para os congressistas, como prefeituras e fundações.
A oposição critica o mecanismo. O senador Renan Calheiros (MDB-AL) pediu ao STF nova suspensão do pagamento das emendas de relator. Além disso, há um pedido de investigação do orçamento secreto no TCU (Tribunal de Contas da União).
No FNDE, 84% dos empenhos e 87% dos pagamentos feitos do ano passado para cá foram feitos com as emendas “de relator”.
Em Alagoas, o índice é ainda maior. O orçamento paralelo responde por 98% dos empenhos e 100% dos pagamentos.
Defensor das emendas de relator, o alagoano Arthur Lira já afirmou que esse orçamento é importante para o crescimento de municípios pequenos e que “muda a vida das pessoas“. Recentemente, Bolsonaro também saiu em defesa do instrumento e afirmou que elas “acalmam os parlamentares“.
Prefeitura de aliado de Lira lidera recursos
Em Alagoas, os municípios que mais receberam pagamentos ou empenhos são: União dos Palmares, Delmiro Gouveia, Canapi e Girau do Ponciano. À exceção de Canapi, cuja administração é controlada pelo PP, partido de Lira, as demais prefeituras estão com o MDB. Em todas elas, as ações orçamentárias para os programas do FNDE são as mesmas: “apoio a infraestrutura para a educação básica”.
Quando se analisam os valores pagos, incluindo os de orçamentos anteriores, os chamados “restos a pagar pagos”, União dos Palmares sai na frente. O prefeito é Areski “Kil” de Freitas (MDB), um aliado de Lira. A cidade recebeu R$ 7,4 milhões do início do ano passado até 12 de abril, de acordo com dados do Siga Brasil, que é abastecido com informações do Siafi, o sistema que registra os gastos do governo. União Palmares obteve R$ 8 milhões em empenhos.
A prefeitura da cidade não prestou esclarecimentos à reportagem sobre as obras bancadas com os recursos.
Cidade que contratou kit robótica engrossa lista
A prefeitura de Delmiro Gouveia engrossa a lista, em segundo lugar nos repasses de emendas do FNDE, com R$ 6,8 milhões em pagamentos, incluindo restos a pagar, desde o ano passado. E obteve ainda R$ 7,3 milhões em empenhos.
O município dirigido pela prefeita Ziane Costa (MDB) contratou a empresa Megalic, que vende kit robótica. Atas de registro de Delmiro Gouveia da cidade foram usadas por prefeituras da região para contratar a mesma empresa. Reportagem do jornal Folha de S.Paulo mostrou que os kits, bancados por verbas de emenda de relator, foram entregues em escolas que nem sequer possuem água e salas de aula.
O governo federal destinou R$ 26 milhões para kits robótica em Alagoas. O preço deles, porém, estava acima da média de mercado.
Segundo o FNDE, os kits de robótica são conjuntos de peças para montagens de robôs para auxiliar na aprendizagem de alunos do ensino básico. Segundo o projeto disponível no site do FNDE, eles são usados, por exemplo, no ensino de conceitos matemáticos e físicos.
Em cidade do PP, foram R$ 6 milhões
Na cidade de Canapi, de Vinícus Filho (PP), foram R$ 6,1 milhões em pagamentos de emendas do FNDE feitos desde 2021. O município obteve R$ 5,9 milhões em empenhos.
Em Girau do Ponciano, nenhum centavo foi desembolsado ainda. Porém, é a cidade que tem mais empenhos em todo o estado. Emendas do FNDE prometem injetar R$ 8,09 milhões no município controlado por David Barros (MDB).
Os municípios citados seguem em silêncio diante da falta de transparência.
Arthur Lira nega o “orçamento secreto”, mas explicações não convencem
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), negou a existência de um “orçamento secreto” e disse que o valor destinado às emendas do relator “é insuficiente para as demandas do Brasil”.
“Falamos de R$ 16 bilhões achando que é muito. O Brasil tem pouco investimento. Estamos aqui com R$ 3 trilhões [do Orçamento] brigando por R$ 16 bilhões”, disse Lira em entrevista ao jornal O Globo.
“Não que seja pouco, porque R$ 16 bilhões é muito mesmo, mas ainda é insuficiente para as demandas do Brasil.” A emenda do relator foi criada em 2019 para o Orçamento de 2020. Não é impositiva, isto é, não deve ser obrigatoriamente executada pelo Executivo. Os recursos são destinados a obras indicadas por congressistas.
A ferramenta ainda é usada como uma moeda de troca entre os congressistas aliados ao governo e a administração federal. Para deputados de oposição, no entanto, não há transparência no repasse dos recursos nessa modalidade. Por isso, as emendas de relator foram chamadas de “orçamento secreto”. Conheça os argumentos a favor e contra as emendas de relator ao Orçamento.
Segundo Lira, o Congresso não tem “condições de prestar todas as informações dos autores das emendas”, como solicitado pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Por isso, “o orçamento secreto continua secreto”. Ele disse que os congressistas estão voluntariamente informando sobre os recursos que solicitaram –em muitos casos, através das redes sociais.
Em dezembro de 2021, ao liberar a execução das emendas de relator, o STF fixou a obrigatoriedade de identificação do beneficiário do repasse e os valores empenhados, liquidados e pagos.
“Se acompanhar as redes sociais do parlamentar, ele demonstra toda a atividade. Está lá toda semana entregando trator, uma obra de saneamento, entregando a obra de calçamento”, falou Lira.
Ótimos negócios
A empresa de Edmundo Catunda que é pai do vereador de Maceió João Catunda (PP/AL) — aliado político e amigo de Arthur Lira (PP/AL) — recebeu R$ 54,7 milhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) através de emendas do relator de 2021, revelou investigações da Agência Pública. Essas emendas compõem o que ficou conhecido como orçamento secreto, pois são divulgadas pelo governo sem a informação de qual parlamentar é o autor e quais são as empresas beneficiadas pelo dinheiro público.
Segundo a reportagem apurou, Edmundo e João Catunda (pai e filho) têm um histórico de encontros com Lira. No ano passado, em junho, João esteve com Lira em Brasília e, em novembro, em Maceió — junto ao ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro. Segundo postagem do próprio vereador, o encontro tratou do destravamento de projetos do FNDE para Alagoas. Neste ano, João e Edmundo estiveram com Lira em fevereiro, quando se reuniram em Brasília junto a outros vereadores alagoanos e, em março, ao lado de outras lideranças do Progressistas.
Dirigida por Edmundo Catunda, a Megalic fechou contratos custeados pelas emendas de relator em Alagoas através do programa Educação Conectada, do Ministério da Educação (MEC), criado para ampliar o acesso à internet de alta velocidade e uso de tecnologias digitais na Educação Básica. A reportagem apurou que 22 municípios alagoanos destinaram recursos das emendas de relator para o programa no ano passado. Desse total, ao menos 13 firmaram contratos com a Megalic para distribuição de kits de robótica, incluindo o Consórcio Intermunicipal do Agreste Alagoano (Conagreste) — presidido por um aliado de primeira hora de Arthur Lira, o prefeito de Limoeiro de Anadia, Marlan Ferreira (PP).