Descartei três quase-textos até aqui. Tentei falar sobre o tempo, um sonho que tive, uma série, mas nada se formava na minha cabeça a ponto de se transformar em uma crônica minimamente compreensível. A verdade é que filho quando adoece, por mais brando que seja o susto, acaba tirando a mãe do eixo em alguma medida. Como eu conseguiria falar sobre a chuva inesperada que frustrou os meus planos do fim de semana ou de como eu transformei uma leve insatisfação em uma nova leitura que estava empacada há tempos, tendo passado duas noites em claro, cuidando de um pré-adolescente com dor e febre por causa de um infeliz de um calo infeccionado no dedão pé, depois do jogo de futebol descalço na pracinha do bairro? Agora, quem domina o teclado é o meu profundo estado de dispersão provocado pelo sono e aflição de uma mãe que não sabe como este texto será concluído.
Tá doendo? Levanta o pé, vou buscar o paracetamol, amanhã a gente vai na emergência, vem cá, respira, espera, vou fazer uma compressa, aliviou? Vamos lavar isso, não, não dá pra fazer curativo, não pode abafar, tá roxo aqui, né? Deita com o pé na minha perna que eu fico massageando ao redor, esse antiinflamatório não está adiantando. É. É melhor levar na emergência mesmo. Não, precisa comer primeiro, ele pode sentir fome lá até ser atendido. Se vai doer? Eu não sei o que o médico vai fazer, filho, mas é possível que sim. Mas, ó: acho que não vai doer mais do que já está doendo, tente se acalmar. Hum, parece que aumentou a inflamação, viu? Vamos, tente não pisar forte no chão, consegue andar? Amor, ajuda ele a entrar no uber. Oi, moça, boa tarde! Sim, peguei a senha. Doze anos. Sim, doze. O dedo dele está inflamado, acho que foi um calo que deu ruim, porque ele joga futebol descalço, acho que foi isso. Provavelmente entrou alguma coisa e infeccionou. Ok, já posso entrar? Vamos, bora sentar ali que tem mais espaço. Não, acho que não demora, tem pouca gente aqui. Seu pai vai ficar lá fora esperando, só pode entrar um acompanhante, aliviou a dor? Ah, seu número, venha, segure em mim. Oi, sim, doze anos. Alergia à dipirona. Só. Ele machucou o dedo, está inflamado e o antiinflamatório não está fazendo efeito. Começou a doer quando? Antes de ontem, doutor, mas inchou demais de ontem pra hoje, precisa de antibiótico? Pois é, imaginei. Ainda bem que viemos logo então. Ok, obrigada. Por aqui? Certo. Vem, filho. Vai doer um pouco sim. Calma, você aperta forte a minha mão, tá? Vai ser rápido. Hum, duas? Eita, são duas, uma no braço e outra no bumbum. Calma, respira, vamos. Aqui, senta aqui, ótimo, está confortável? Isso, Cauê o nome dele. Ok, vem filho, a gente vai ali naquela sala. Respira, aperta a minha mão, pronto, já foi. Obrigada, moça, tá certo, vamos aguardar. Obrigada, esse aqui é de doze em doze? Ok, volto sim, mas espero que agora comece a desinflamar, sim, tudo bem, bom trabalho. Agora fica aqui deitadinho, tá? Vou trazer seu almoço, seu pai foi comprar quentinha, pedi pra ele trazer chocolate ou sorvete, só porque você foi muito corajoso na hora das injeções, vem, coloca o pé aqui nessas almofadas, tá doendo? É, agora vai passar, você vai ver. Tire um cochilo, daqui a pouco eu lhe chamo, quer assistir alguma coisa? Ok, vou trazer o notebook. Tô indo, tá doendo? Calma, espera o remédio fazer efeito, ele é forte, você vai ver que passa jajá. Vou te ajudar a tomar banho, não encosta o pé no chão, segura aqui no meu ombro, tá mais vermelho que ontem, mas só tem um dia e meio do antibiótico, vamos aguardar mais um pouco, espera aqui, vou pegar o paracetamol, beba água, hoje você bebeu pouca água, tome, fique com essa garrafinha, tá com fome? Desliga esse celular, vamos tentar dormir, eu fico aqui com você, deixe o pé quietinho, vai passar, vou dormir com você hoje, não tá conseguindo? Já tá na hora do remédio de novo, vou buscar, já volto. Trouxe gelo, vamos fazer uma compressa para aliviar. Banho? Uma hora dessa? Ele tá com calor, quer tomar banho, é, não consegue dormir. Ok, eu fico com ele essa noite e você fica amanhã então. Descanse, é melhor, tá certo, qualquer coisa eu chamo. Sim, já tomou o remédio. E aí, continua doendo? Daqui a pouco amanhece, quer assistir algo pra distrair? Certo, vamos pro sofá, beba mais água. Tá com fome? Coma essa maçã. Quer suco? Tá, veja se consegue cochilar no sofá, tô por aqui. Sim, vamos precisar voltar lá, não, não dormiu nada. Esse antibiótico não tá adiantando, olha como aumentou o inchaço, calma, ele cochilou depois do remédio, deixa ele descansar, quando acordar a gente vai. Estamos saindo agora, foi melhor almoçar antes. Tá bom, tô um pouco, mas não consigo dormir também, aviso sim, fique tranquilo. Oi, estivemos aqui no sábado, ele foi atendido e medicado, mas acho que piorou, o dedo tá mais inchado, ok, obrigada. Vem, filho, senta aqui, quer deitar? Coloca o pé em cima da minha perna, não, não vai demorar, ainda bem que está vazio de novo. Sim, é Cauê, por aqui? Ok, obrigada. Boa tarde, sim, amoxicilina. É, tá bem feio, drenar? Hum, ok. Sim, filho, vai ter outra injeção, mas agora vai resolver, você vai ver. Jogo do Flamengo? Acho que dá tempo de assistir. Obrigada, por aqui? Aguardo. Vem, filho, não pise no chão, calce direito a sandália, pode se apoiar no meu ombro. Oi? Sim, Cauê, ah! Ok, pode ser em pé mesmo? Tá, vem, segura aqui na minha mão, pode apertar, calma. Viu? Essa doeu menos. Sim, ainda vai drenar. É na outra sala? Ok, obrigada. Vem, calça a sandália, não pisa no chão, senta aqui. Já tá aliviando? Ainda bem. Oi, boa tarde. Sim, foi jogando futebol descalço, deve ter machucado e ele continuou jogando no chão sujo. É, acontece. Tá certo, vai demorar? Tá, obrigada. Oi, doutora. Tá tenso, mas tá tranquilo, segura a minha mão, filho. Anestesia? Ah, ainda bem. Sim, vai doer um pouco, mas talvez doa menos do que já está doendo há três dias. Sim, estamos há duas noites sem dormir. Calma, respira, pensa no jogo, aperta a minha mão, seu pai chega já, vai assistir com você. Ai, apertou demais, respira. Sim, doutora, tudo ok aqui. Pronto, aliviou, né? Só curativo? Ok, vai mudar os remédios? Ok. Pode me dar o atestado médico para a escola? Obrigada. Venha, tente calçar a sandália, não pise no chão. Tchau, obrigada, bom trabalho. Agradeça a eles também, filho. Vem, seu pai chegou. Sim, tomou outra injeção. É, eles deram anestesia, ficou tranquilo, nem chorou. Vem, senta aqui, levanta o pé. Vou buscar água pra você. Tá com fome? Certo, pipoca? Faço, espera aí. Hoje você vai conseguir dormir e a gente também, tomara que sim. Pega a receita em cima da mesa, vamos colocar no despertador do celular os horários dos remédios. Você fica com os da manhã? Ótimo, eu fico com os outros. Sim, tô com sono, mas vamos jantar primeiro. Aham, bebi. Sim, comi. Comi pouco, estava sem fome. Não, coloca pouco no meu prato, tô com mais sono do que fome. Ok, ele tá cochilando, se eu dormir, dê o remédio a ele. Sim, está em cima da mesa, dez emiéli, tá? Não esqueça de agitar antes. Aqui, quarenta gotas desse outro, esse daí, ibuprofeno. Dor, esse é pra dor. Tá, qualquer coisa me chame. Se eu não conseguir dormir eu volto. Me chame mesmo, viu? Amor! Deu o remédio certinho? Ah, que susto. Sonhei que tinha perdido a hora e acordei atordoada. Descansei. Sim, café tá bom. Ovo tá ótimo. Não, cuscuz não. Torrada tá bom. Torrada com ovo e café. Ele ainda tá dormindo? E o remédio das seis? Bom que ele não deu trabalho pra tomar. Acho que não acorda nem tão cedo. Muito remédio e sono acumulado. Pelo menos não está mais sentindo dor. Comprou o material para os curativos? Tá, pode deixar que eu faço. Certo, fique com a louça para lavar. Ok. Sim, continuo com sono. Exausta. Sigo exausta. Ei, você, mãe, qualquer semelhança não é mera coincidência.
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